sábado, 19 de julho de 2008

Direito e Linguística: uma relação de complementaridade



RESUMO

O homem, um ser social por natureza, utiliza-se de símbolos para mediatizar sua relação com os semelhantes ou com a própria natureza. Esta interação social do homem na linguagem ou através dela caracteriza-se, fundamentalmente, pela argumentatividade. É através de seu discurso, ou ação verbal dotada de intencionalidade, que o homem tenta influir sobre o comportamento de seu semelhante ou fazer com que este compartilhe de suas opiniões. Portanto, o ato de argumentar constitui-se em um ato lingüístico fundamental, pois passamos a maior parte de nosso tempo defendendo nossos pontos de vista. O operador do direito usa a linguagem para exercer o seu papel, para argumentar. Não há como pensar o Direito sem a sociedade, assim como não se pode pensar a sociedade sem a linguagem. Neste artigo esperamos propor uma reflexão sobre o caráter interdisciplinar da Lingüística, mostrando sua relação de complementaridade com a Ciência Jurídica.





1-INTRODUÇÃO


“Todo conhecimento científico se desdobra num universo de linguagem; aceitando provisoriamente a língua usual ou criando uma para seu uso, a Ciência requer necessariamente, como condição transcendental, um sistema lingüístico ”

GRANGER, 1974, p. 133



No campo das Ciências Jurídicas, vem se postulando já há algum tempo a necessidade de uma abertura para as áreas conexas, no sentido de destacar a importância e a contribuição das ciências afins para esta ciência específica.
Muitos juristas vêm dando especial relevância à ciência da linguagem: o operador do direito usa a linguagem para exercer o seu papel, para argumentar, persuadir, enfim, para a própria explicitação do objeto da Ciência Jurídica.
O homem, um ser social por natureza, utiliza-se de símbolos para mediatizar sua relação com os semelhantes ou com a própria natureza. Esta interação social do homem na linguagem ou através dela caracteriza-se, fundamentalmente, pela argumentatividade. É através de seu discurso, ou ação verbal dotada de intencionalidade, que o homem tenta influir sobre o comportamento de seu semelhante ou fazer com que este compartilhe de suas opiniões. Portanto, o ato de argumentar constitui-se em um ato lingüístico fundamental.

Assim, a linguagem pode ser encarada como instrumento, como forma de ação do jurista dotada de intencionalidade, caracterizando-se, portanto, pela argumentatividade.
Um estudo sobre argumentação seria justificado basicamente por esta razão, entretanto, pretendemos neste artigo dar ênfase à necessidade de se dar maior destaque aos estudos da linguagem, considerando-a como atividade meio e não como atividade fim. Em outras palavras: a linguagem não será vista aqui como metalinguagem, mas como instrumento de operação da Ciência Jurídica.
Nossa preocupação não é a de levar apenas o conhecimento teórico da língua, mas, sobretudo, ao conhecimento da capacidade de refletir, argumentar e persuadir no campo das Ciências Jurídicas.

Para tal dividiremos este trabalho em uma síntese das relações entre Direito e Lingüística, mais especificamente consideraremos a relação direito e linguagem mostrando em linhas gerais a corrente lingüístico-epistemológica conhecida como Positivismo Lógico e as novas tendências da pesquisa semiológica para o direito: a semiologia política ou do poder, conforme WARAT (1994). Em seguida apresentaremos a relação Direito e Pragmática e algumas considerações sobre retórica e argumentação.


2-DIREITO E LINGUAGEM


WARAT (1995, p.37) destaca que é a linguagem que permite o intercâmbio de informações e de conhecimentos humanos, funcionando também como meio de controle de tais conhecimentos. Com essa asserção apresenta a corrente lingüístico-epistemológica conhecida como Positivismo Lógico, mostrando como os positivistas lógicos estabelecem uma estreita relação entre conhecimento e linguagem.
De acordo com esta corrente, o conhecimento pode ser obscurecido por situações de natureza estritamente lingüística, o que significa dizer que uma linguagem defeituosa pode distorcer nossa compreensão das coisas.
Assim, o Positivismo Lógico enfatiza o rigor discursivo como paradigma de ciência, enfatizando que fazer ciência é traduzir numa linguagem rigorosa a realidade, o que implica considerar a linguagem como elemento base para a determinação das outras ciências.
Para o Positivismo Lógico a ciência, então, se faz com a linguagem, sendo, contudo, a própria linguagem.

Neste prisma WARAT (1995, p.38) destaca, através da visão do Positivismo Lógico, a importância fundamental da linguagem para a Ciência do Direito, uma vez que esta só pode construir seu objeto por intermédio da própria linguagem, entretanto, acrescenta aos seus estudos questões de ordem pragmática.
A linguagem, ou a representação simbólica do mundo, seria objeto específico da Lingüística, mas a partir de Saussure (1875-1913) é abordada de forma multidisciplinar. O lingüista de Genebra contribui sobremaneira para a instauração da Lingüística como ciência ao estabelecer o seu objeto, através da célebre dicotomia "langue/parole". Para Saussure, a " langue " ou a língua como código das enunciações individuais é o objeto da ciência da linguagem.

Todavia, a linguagem, nas suas mais diversas formas de manifestação é o instrumento que serve de aparato técnico às demais ciências.
WARAT (1995, p.52), ao proceder a uma análise do neopositivismo lógico abordando os problemas epistemológicos da linguagem, apresenta uma tipologia das linguagens conforme esta corrente, classificando-as em: naturais ou ordinárias, de estrutura especificada ou técnicas e formais, ressaltando que os dois últimos tipos são variações gradativas das linguagens artificiais da ciência.
A linguagem natural é utilizada na comunicação em geral levando em conta diversos fatores em sua significação, tais como a situacionalidade, a intencionalidade, a interlocução, as condições de produção. Enfim, depende do contexto comunicacional em que é produzida, ao passo que a linguagem técnica se presta à construção de linguagens especializadas, que requerem precisão lógica, economia expressiva e formulação de enunciados que possam ser aceitos como proposições.
WARAT (1995, p.53) afirma que as linguagens especializadas, na concepção dos neopositivistas: ''são linguagens nas quais o sistema de evocações ideológicas e cargas emotivas fica excluído. ''

Nesta concepção há uma clara tentativa de se tirar da linguagem os componentes políticos, a ideologia e as incertezas comunicacionais da linguagem natural e uma tendência à construção de uma linguagem exclusivamente controlada por leis sintáticas, que sejam precisas e unívocas, sem nenhuma consideração pragmática.
Segundo este autor, o interesse dos cientistas vinculados à corrente neopositivista é o de atingir um nível formal para as suas linguagens, ideal este, que está longe de ser atingido nas ciências sociais e cujas vantagens de tal conquista são discutíveis.
Quanto à afirmação contra-ideológica da epistemologia neopositivista nos reportaremos a uma observação de uma lingüista: " todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais ampla do termo." ( KOCH 1996, p.19).

Não há, segundo esta autora, um discurso neutro, ingênuo, pois até mesmo neste tipo de discurso está contida uma ideologia- a da própria objetividade. A neutralidade é apenas um mito.
Embora alguns juristas sustentem o caráter fechado da linguagem legal, vista por seus produtores como uma linguagem técnica, o Positivismo Lógico explicita que a linguagem da lei não é mais do que uma variedade da linguagem natural. De acordo com WARAT (1995, p.55 ) a linguagem da teoria jurídica cumpre importantes funções políticas e ideológicas, operando em um nível de significação prescritiva encoberto nos próprios textos legais.

Tanto a linguagem natural, quanto a linguagem técnica é produzida por uma combinação de signos. A língua, na teoria saussureana, é considerada como um sistema, cuja unidade mínima de análise é o signo lingüístico, que por sua vez é uma entidade de dupla face composta por um significante ( indício material ) e um significado (conteúdo conceitual ).
BAKHTIN (1995, p.16) entende o signo como sendo uma entidade necessariamente ideológica. Para esse autor, há uma transferência em nossas mentes dos elementos significativos isoláveis de uma enunciação. A cada enunciação de outrem que estamos no processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas. A significação, seu ponto de vista, pertence a uma palavra enquanto traço de união entre os interlocutores, ou seja, ela só se realiza no processo da compreensão em que há ação e interação. Sob este prisma, o signo, ideológico, se realiza, então, na dialogia. Há que se compreender que cada palavra emitida segundo Bakhtin (1981, p.113):“é determinada tanto pelo fato de que precede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém”.

A significação é efeito da interação do locutor e do receptor, produzido através do material de um determinado complexo sonoro, conforme ressalta BAKHTIN (1995, p.132):“É como uma faísca elétrica que só se produz quando há contato de dois pólos opostos. ”
Nessa perspectiva, todo signo é ideológico. Tudo que é ideológico possui um significado (um valor semiótico) e remete a algo situado fora de si mesmo. A ideologia só existe pelo signo, que por sua vez pode distorcer a realidade, ser-lhe fiel ou apreendê-la de um ponto de vista específico.
A palavra é o signo ideológico por excelência e toda a sua realidade é absorvida por sua função de signo. No entanto, existem outras manifestações do pensamento ideológico que integram-se ao discurso e não têm existência próprias se totalmente isoladas dele. Todavia, nenhum signo ideológico específico é inteiramente substituível por palavras.(BAKHTIN, 1981, p.36).
O signo cruz, por exemplo, reflete e refrata outra realidade que não é a cruz, como valor intrínseco a si mesmo, mas o cristianismo e toda a carga ideológica nele contido.

Se pensarmos a ideologia como sistema de idéias, crenças representações e práticas institucionalizadas que orientam a atividade social, observaremos que é através da linguagem que ela se estabelece como fato natural. Para WARAT (1994, p.146) a função última de toda mensagem é ideológica. Podemos ainda nos reportar à Bakhtin, quando este nos mostra que a realidade da consciência é a linguagem, que os conteúdos da consciência são lingüísticos. Portanto, sem linguagem não se pode falar em psiquismo humano, mas somente em processos fisiológicos ou processos do sistema nervoso, pois não há uma atividade mental independente da linguagem. Assim, o discurso não é expressão de uma consciência, mas pelo conjunto de discursos interiorizados pelo indivíduo, que por sua vez formam a consciência. "Se os discursos são sociais, a consciência também o é '', é o que afirma FIORIN (1988, p. 16).

Segundo a noção proposta por Saussure, o signo lingüístico aparece como sendo um objeto que apresenta uma estreita unidade entre suas duas faces, o significante e o significado “como as duas faces de uma folha de papel” e une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. O significante é a imagem da forma fônica, enquanto o significado é uma imagem mental da coisa, que pode ter uma relação onomasiológica com outros significados tais como: “pata”, “duck”, “canard”, “ente” e “anatra”, nos idiomas português, inglês, francês, alemão e italiano, respectivamente.
O liame entre significante e significado é arbitrário, mas a medida em que é imposto pela língua, torna-se necessário para quem fala.

Tanto filósofos quanto lingüistas concordam que o pensamento tomado em si mesmo é uma massa amorfa e indistinta como uma nebulosa em que nada é delimitado e não pode ser captado a não ser formado e atualizado na língua.
A língua é para SAUSSURE (1972, p.131) comparável a uma folha de papel, em que o pensamento é a face e a imagem acústica é o verso. Não há como isolar a imagem acústica do pensamento, nem o pensamento da imagem acústica, da mesma forma que não se pode recortar a face de um papel sem recortar ao mesmo tempo o seu verso.
O homem, segundo LOCKE (1991, p.91) tendo dentro de si uma infinidade de pensamentos que não podem manifestar-se por si mesmos, vê, na perspectiva de viver em sociedade, a necessidade de desvendar certos sinais sensíveis externos, por meio dos quais, as idéias invisíveis das quais seus pensamentos são formados, pudessem ser conhecidas dos outros.

Assim, ao manifestar seus pensamentos, as pessoas se utilizam de um código lingüístico, cujo sistema é formado por signos, sem os quais seria impossível distinguir duas idéias de maneira clara e constante.
O papel do signo lingüistico é, pois, o de representar, tomando o lugar de outra coisa, evocando-a como substituto, como afirma BENVENISTE (1989, p.51).
ECO (s/d) chamou de signo aquilo que está no lugar de outra coisa. Quando se diz que “algo” está por “outra coisa”, não se quer dizer que o signo equivale a esse “algo.” Uma palavra é um signo porque designa algo que não é ela, mas é representado por ela. Ao emitirmos signos pensamos indicar coisas. Se entendemos o signo como alguma coisa que está em lugar de outra, ou por outra, estamos classificando-o como elemento no processo de significação.

SAUSSURE (1972, p.81) chamou de signo a combinação do conceito e da imagem acústica. A partir do “COURS DE LINGUISTIQUE GÉNÉRALE ”, conceito passou a ser denominado significado e imagem acústica significante. O signo lingüistico, portanto, é uma entidade dupla, cujo elo que une seus dois termos, ambos psíquicos, é arbitrário, assim como a relação do signo com a coisa extra-lingüística também o é.
Com Saussure, o signo foi instaurado como unidade de língua e passa a ser a unidade mínima da frase. Para este autor, o signo lingüístico une não uma coisa a um nome, mas um conceito a uma imagem acústica. A imagem acústica não é o som material, mas a impressão psíquica deste som. Ela é a representação natural da palavra enquanto fato de língua virtual, fora de toda a realização da fala.
Saussure entende que o signo é arbitrário, ou seja, o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado com o qual não tem nenhum laço natural na realidade.

Para BENVENISTE (1995, p.57) o arbitrário só existe em relação com o fenômeno ou o objeto material e não intervém na constituição própria do signo.
A língua em virtude de sua própria estrutura, se apresenta como um instrumento de comunicação que é e deve ser comum a todos os membros da sociedade, porque está investida de propriedades semânticas e porque funciona como uma máquina de produzir sentido. A língua permite a produção indefinida de mensagens em variedades ilimitadas, cuja propriedade única deve-se à sua estrutura composta de signos, de unidades de sentido, numerosas, mas finitas que entram em combinação ao serem regidas por um código e que permitem um número cada vez maior de mensagens, já que o efetivo dos signos aumenta sempre e as possibilidades de utilização e combinação desses signos aumentam consequentemente. Portanto, há duas propriedades inerentes à língua, em seu nível mais profundo: a que é constitutiva de sua natureza de ser formada de unidades significantes, e a de que é constitutiva de seu emprego de poder arranjar estes signos de maneira significante.

Uma terceira propriedade une as duas, a propriedade sintagmática, ou seja, a de combiná-los através de certas regras de consecução e somente de certa maneira. Por conseqüência, a língua é o instrumento próprio para descrever, para conceituar, para interpretar tanto a natureza quanto a experiência que se chama sociedade. A língua pode, graças a esse poder de transmutação da experiência em signos, tomar como objeto qualquer ordem de dados e até a sua própria natureza. BENVENISTE (1989, p.98) destaca que existe a metalinguagem, mas não há a metassociedade e afirma que o vocabulário é o aspecto que é melhor explorado da relação língua/sociedade, conservando testemunhos insubstituíveis sobre as formas e as fases da organização social, sobre os regimes políticos, sobre os modos de produção que foram sucessiva ou simultaneamente empregados.

Todavia, há que se considerar que as palavras não têm realidade fora da produção lingüística, pois elas existem nas situações nas quais são usadas, daí a importância do contexto para a construção do sentido.
De acordo com BENVENISTE (1989, p.232) a polissemia é a soma institucionalizada de valores contextuais, sempre instantâneos, aptos a se enriquecer e a desaparecer, ou seja, sem valor constante, sem permanência, mas sempre em resposta às necessidades imediatas de comunicação de uma sociedade.

Cabe aqui uma outra consideração: de que cada um fala a partir de si. Para cada falante o falar emana dele e retorna a ele, cada um se determina como sujeito com respeito ao(s) outro(s). A língua fornece ao falante a estrutura formal de base, que permite o exercício da fala. Fornece o instrumento lingüístico que assegura o duplo funcionamento subjetivo e referencial do discurso: é a distinção indispensável entre o eu e o não- eu apresentada na língua pelos pronomes.

A inclusão do falante em seu discurso, a consideração pragmática que coloca a pessoa na sociedade enquanto participante e que desdobra uma rede complexa de relações espaço- temporais determinam os modos de enunciação.
O conhecimento de mundo é determinado pela expressão que ele recebe e a linguagem, enquanto reprodutora deste mundo, o submete à sua própria organização. É a inteligência que possibilita ao indivíduo colher, recolher e reunir os dados oferecidos pela percepção, imaginação, memória e linguagem, formando redes de significações com as quais organiza e ordena o mundo, recebendo e dando um sentido a ele e fazendo-se conhecer através do recurso dos signos da língua, com os quais o indivíduo promove o agenciamento sintagmático.

A língua, no interior da sociedade, pode ser encarada como um sistema produtivo, pois ela produz sentido, graças à sua composição de significação e graças ao código que condiciona este arranjo. Ela produz também enunciações graças a certas regras de transformação e de expansão formais. E é neste prisma que a linguagem, no Direito deve ser enfocada, não como algo estanque, pronta, acabada e imutável, mas como uma reflexão da estrutura de uma língua viva, cotidiana, que serve a toda uma sociedade. Sociedade esta, que a condiciona e estabelece como patrimônio sócio - cultural.
Compreendendo a estrutura do sistema lingüístico, cuja entidade de base é o signo, ressaltado o seu caráter ideológico previsto por Bakhtin, podemos então chegar à questão da linguagem jurídica.

WARAT (1994, p.31), ao afirmar que: "a semiologia deve ser vista como uma metodologia crítica dos próprios métodos de interpretação'', mostra que a análise semiológica coloca os meios de interpretação como códigos ideológicos que se prestam à produção dos significados normativos, ou seja, os métodos servem para a produção de redefinições indiretas das palavras da lei. O que significa dizer que a semiologia, ou a ciência que estuda a vida dos signos no seio social, nos mostrará como realmente os juizes produzem significados convincentes.

3-DIREITO E PRAGMÁTICA

Foi com o surgimento da Pragmática que o estudo do discurso e consequentemente, o da argumentação ou retórica passou a ocupar papel de destaque nas pesquisas sobre a linguagem.

A interação social do homem na linguagem é objeto de estudo da Pragmática. Cabe à Pragmática o estudo da relação dos signos com os usuários. E esta interação social por meio da língua caracteriza-se basicamente pela argumentatividade. Por ser dotado de vontade e razão, o homem a todo tempo forma juízos de valor e através de seu discurso tenta influir sobre o comportamento de seus semelhantes, buscando a adesão para determinadas opiniões. Por isso é que pode afirmar que o ato de argumentar constitui o ato lingüístico fundamental, pois o que o homem faz é orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, mediante a adesão de suas teses.

PERELMAN (1996, p.50) destaca que a argumentação caracteriza-se como um ato de persuasão, uma vez que visa a provocar ou a incrementar a adesão dos espíritos às teses apresentadas ao seu assentimento e estabelece uma diferença básica entre convencer e persuadir. Segundo este filósofo e jurista belga, o ato de convencer se dirige unicamente à razão, através de um raciocínio estritamente lógico. Convencer ( vencer com ), chegar junto, com razão, conduzindo à certezas. Já o ato de persuadir, por sua vez, procura atingir o sentimento, à emoção, à vontade do interlocutor e tem caráter ideológico, subjetivo, conduzindo à inferências que levem o interlocutor à adesão.

A Pragmática, como já nos referimos é a parte da Lingüística que trata da relação dos signos com os usuários. Os signos são unidades da língua, que juntos compõem um sistema e são, conforme Bakhtin, ideológicos por natureza.
WARAT (1995, p.46-47) salienta que a ideologia além de estar presente no discurso natural, também constitui um sistema de evocações contextuais que despontam no uso pragmático do discurso científico. Assim, segundo este jurista, a análise pragmática, quando vinculada à temática da ideologia, impõe a necessidade de realizar leituras ideológicas dos discursos da ciência. Dessa forma, a pragmática, projetada no discurso do direito, permite compreender que a ideologia é um fator indissociável da estrutura conceitual explicitada nas normas gerais.

Em adesão à nossa tese inicial, proposta na introdução deste trabalho, que aborda o fato de se dar ênfase às ciências conexas no campo das Ciências Jurídicas cabe aqui uma citação de um jurista.(WARAT 1995, p.47):

"A partir da análise pragmática pode ser levantada a tese no sentido de que em um discurso normativo, para que exista o efeito de uma univocidade significativa, deve haver uma prévia coincidência ideológica. Por esta razão, a análise pragmática é um bom instrumento para a formação de juristas críticos, que não realizem leituras ingênuas e epidérmicas das normas, mas que tentem descobrir as conexões entre as palavras da lei e os fatores políticos e ideológicos que produzem e determinam suas funções na sociedade. Desta forma realizar estudos jurídicos à margem da análise pragmática constitui uma atitude "cientificista".(...) Não se pode fazer ciência social ou jurídica sem sentido histórico, sem nenhum compromisso direto com as condições materiais da sociedade e com os processos mediante os quais os sujeitos sociais são dominados e coisificados.''


4-RETÓRICA E ARGUMENTAÇÃO


A questão da argumentação é objeto de estudo, desde a Antigüidade grega, sendo tratada pela Retórica. Retórica, ou arte de convencer e persuadir, surgiu, de acordo com ABREU (1999, p.27) em Athenas, na Grécia antiga, quando os atenienses viviam a primeira experiência de democracia de que se tem notícia na História, ao consolidarem, na prática, os princípios do legislador Sólon .

Retórica é o estudo das propriedades do discurso e comporta o estudo de dos seus três componentes essenciais: a inventio ( temas e argumentos), a dispositio ( arranjo das partes), a elocutio ( escolha e disposição das palavras), a actio (modo de enunciação) às quais os romanos acrescentaram ainda a memória ( retenção do material a ser transmitido).

Os tipos de discurso definidos pela retórica são, segundo MOSCA (1999, p.28-29):
a) O discurso deliberativo - o que trata de questões ligadas à coletividade, cujas finalidades são aconselhar e persuadir. Por exemplo, pronunciamentos da igreja desaconselhando a legalização do aborto;
b) O discurso judiciário- sustentado a fim de acusar ou defender, visando a destruir argumentos contrários. Como exemplo, temos o discurso do promotor nos tribunais;
c) O discurso epidítico- é o que procede ao elogio, ou à censura. Cumpre uma função social e cívica, ligando-se a questões de ética pública. Seria o caso dos discursos comemorativos, em ocasiões solenes, como uma formatura.

WARAT (1995, p.86) lembra-nos que a retórica atual baseia-se na retórica clássica, observando BARTHES ( 1975, p.151) que afirma ter a retórica do discurso nascido por volta de 485 a.C., como uma reflexão sobre o discurso para a defesa da propriedade.
Atualmente, os trabalhos de Perelman deram novo impulso aos estudos sobre argumentação, quando este filósofo e jurista, tentando aliar os principais elementos da Retórica de Aristóteles a uma visão atualizada do assunto elaborou a "Nova Retórica". A partir de uma reflexão sobre as funções do discurso, o lingüista belga estabelece bases diferenciadas para a teoria do conhecimento, procurando reabilitar uma teoria da argumentação que reencontre a tradição aristotélica.

Vista por Perelman como um ato de persuasão, a retórica visa a adesão dos espíritos às teses apresentadas, não se constituindo apenas em um instrumento de comunicação, ponderando que não há discurso neutro. Quanto a este pormenor, lembramos a teoria de Bakhtin que considera a palavra como um signo ideológico por excelência, na qual o lingüista russo observa que:

"a verdadeira realidade da linguagem não é o sistema abstrato de formas lingüística, nem a fala monológica isolada, nem o ato psicofisiológico de sua realização mas o fato social de interação verbal que se cumpre em um ou mais enunciados.''
(VOLOSHINOV, 1976:145).

BAKHTIN (1981, p.113) caracteriza a linguagem como fundamentalmente dialógica, sendo a palavra um ato de duas faces, determinado tanto por quem o emite, quanto por quem recebe. Dialógico para este lingüista, não é necessariamente uma conversa entre duas pessoas, segundo seu ponto de vista, até quando se escreve, se tem presente o outro, mesmo que virtualmente.
Sobre a intertextualidade, KRISTEVA (1974, p.64) faz a seguinte asserção:'' Todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção ou transformação de um outro texto.”

WARAT (1994, p.14), corroborando esta afirmação, admite, no plano jurídico, a existência de um princípio de intertextualidade, segundo o qual o sentido de um texto depende de sua própria história e esta, por sua vez, do diálogo que mantém com os outros textos de sua cultura. Salientando que todo discurso é feito com um conjunto de citações, que embora anônimas regulam a produção dos diferentes enunciados jurídicos, aproximando-nos de um modo oblíquo, da idéia de ''senso comum dos jurista'', WARAT (1994, p.15) ressalta as dimensões políticas dos sistemas de enunciação. O que significa dizer que os juristas contam com alguns costumes intelectuais que são tidos como verdades de princípios para ocultar o componente político da investigação de verdades, encoberta pela linguagem.

Em outra obra, WARAT (1995, p.102-103), pertinentemente observa que os estudos lingüísticos e semiológicos do direito necessitam acompanhar o salto teórico que a própria Lingüística e Semiologia estão tentando produzir e que a semiologia política deve se ocupar da linguagem que se produz e se espalha sob a proteção do poder, considerando-se que as instituições sociais oficializam as linguagens, expropriando e reduzindo as significações enunciadas.

Neste aspecto são pertinentes as observações de VOGT,( 1977, p. 45) às quais nos reportaremos para encerrar essas considerações:
'' Se a linguagem falasse apenas à razão e constituísse, assim, uma ação sobre o entendimento dos homens, então ela seria apenas comunicação. Mas, ao mesmo tempo em que ela depreende o conjunto de relações necessárias da razão, ela também articula o conjunto de relações necessárias da existência. E, nesse sentido, o seu traço fundamental é argumentatividade, a retórica, porque é este traço que a representa, não como marca de diferença entre o homem e a natureza, mas como marca de diferença entre o eu e o outro, entre subjetividades, cujo espaço de vida é a história.''


5-CONSIDERAÇÕES FINAIS

A guisa de conclusão, parafrasearemos WARAT (1994), em nota prévia de sua segunda versão da obra '' O Direito e sua linguagem '': por ser a ciência um processo cumulativo de discursos e significações, um trabalho que se pretenda científico, não pode ser mais do que uma seleção arbitrária e fragmentada de informações e como processo, não pode ser jamais esgotado.

Não pretendemos aqui teorizar sobre um tema tão vasto e ainda tão inexplorado quanto a relação lingüístico-pragmática e Direito, contudo esperamos ter contribuído, ainda que modestamente para a reflexão sobre o assunto, ressaltando a importância do conhecimento acerca dos avanços dos estudos da linguagem para os estudos das ciências jurídicas.

Não há como pensar o Direito sem a sociedade, assim como não se pode pensar a sociedade sem a linguagem.
A linguagem é um meio em que o homem atinge o outro homem, transmitindo-lhe e recebendo dele uma mensagem, na verdade, a linguagem se constitui no único meio de se chegar a este fim.

A linguagem, então, exige e pressupõe o outro e a partir daí a linguagem é dada com a sociedade, que por sua vez, só se sustenta pelo uso comum dos signos de comunicação pelos seus elementos. Assim, cada uma destas duas entidades, implica a outra.
A língua, é, pois, o instrumento próprio para descrever, para conceituar, para interpretar tanto a natureza quanto a experiência que se chama sociedade. A língua pode, graças a esse poder de transmutação da experiência em signos, tomar como objeto qualquer ordem de dados e até a sua própria natureza.
Portanto, Direito e Lingüística são disciplinas e ciências afins, que devem guardar uma relação de complementaridade.



6-REFERÊNCIAS

ABREU, A. S. A arte de argumentar. Gerenciando razão e emoção. São Paulo: Ateliê, 1999.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 2. ed. São Paulo: Hucitex, 1981 (trad. do original russo de 1925).
BARTHES R. "A retórica antiga", In Pesquisas de retórica, Rio de Janeiro: Vozes, 1975.
BENVENISTE, E., Problemas de lingüística geral. Campinas: Pontes, 1995.
ECO, U. O signo. Lisboa: Presença, s.d.
FIORIN, J. L. O regime de 1964. Discurso e ideologia. São Paulo: Atual, 1988.
GRANGER, G. Filosofia do estilo. São Paulo: Perspectiva, 1974.
MEYER, M. Lógica, linguagem e argumentação. Lisboa: Teorema, 1982.
KOCH, I. Argumentação e linguagem. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1996.
KRISTEVA, J. História da linguagem. Lisboa: Edições 70, 1974.
LOCKE, J. Ensaio acerca do entendimento humano. 5. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
MOSCA, L. (Org.) Retóricas de ontem e de hoje. São Paulo: Humanitas, 1999.
PERELMAN C. & TYTECA, L. Tratado de argumentação. A nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
SAUSSURE, F. de. Curso de lingüística geral (Tradução por Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein). 4. ed. São Paulo: Cultrix/USP, 1972.
VOGT, C. O Intervalo Semântico. São Paulo: Ática, 1977.
WARAT L. A. Introdução geral ao Direito. Tomo I, Porto Alegre: Fabris Editor, 1994
____O Direito e sua linguagem. 2. ed., Porto Alegre: Fabris Editor,1995.
VOLOSHINOV, V. El Signo Ideológico y la Filosofia del Lenguaje. Buenos Aires, Nueva Vision, 1976.

Artigo Publicado em:

RIBEIRO, O. M. . Direito e Lingüística: uma relação de complementaridade'. Revista Jurídica UNIJUS, UBERABA MG, v. 03, n. 01, p. 81-91, 2000.

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