KORCZAK, Janusz. Quando Eu Voltar a Ser Criança. 9 ed. (Tradução de Yan Michalski).São Paulo: Summus Editorial, 1981. 155 páginas. Preço: R$ 25,20.
Eis um livro raro, tocante, sensível, comovente. Um livro belo e terno, escrito com sensibilidade singular por Janusz Korczac, nome com que se tornou conhecido internacionalmente o médico pediatra e educador judeu Henryk Goldszmit e que viveu entre 1878 e 1942. De uma fidelidade total à causa da criança, foi morto pelas forças nazistas, quando acompanhando um grupo de duzentos órfãos a seu cuidado, retirados do gueto de Varsóvia até o campo de concentração de Treblinka, para serem mortos nas câmaras de gás, recusou-se a salvar sua própria vida.
“Quando eu voltar a ser criança” já em sua nona edição brasileira, é uma obra prima, desse educador, escritor e médico-pediatra, cuja vida dedicou às crianças, consideradas por ele como pessoas com tanto direito ao respeito quanto os adultos.
Janusz Korczak escreve com a alma dos que entendem a psicologia infantil sem discursar sobre a criança, mas se faz porta-voz dela, voltando a ser criança e revivendo um mundo por meio dos olhos, sensações, tristezas e desencantos que toda criança vive. Um livro envolvente e sábio, que aponta as dificuldades de ser criança neste mundo feito, pensado e mandado pelos adultos.
Esse não é um livro pedagógico, no sentido estrito, mas um romance de ficção. À guisa de categorização, pode ser enquadrado no gênero relações humana, mas vai além dessa classificação, pois incorpora toda a dimensão pedagógica sem o didatismo das obras com esse fim.
O programa pedagógico de Korczak, baseado na tese de que as crianças devem ser plenamente compreendidas em seu próprio mundo mental é transmitido nas páginas dessa ficção, que traduz em seu enredo a concepção de que a vontade das crianças deve valer tanto quanto a dos educadores.
Voltando a ser criança, esse educador é capaz de compreender o universo infantil e escrevendo como quem de fato encarna a alma e a condição infantil, Janusz Korczak, médico por formação e educador por escolha, traduziu em literatura o seu desejo de melhorar a realidade à sua volta. Esse livro alia uma grande empatia com as crianças e uma preocupação constante com todos os problemas sociais ao ato criativo de uma narrativa sensível que reflete domínio da arte de escrever e pleno conhecimento da psicologia infantil.
"Sem uma infância serena e completa, toda vida posterior fica mutilada." A idéia expressa nessas palavras escritas por Korczak condiz com seu princípio fundamental de que o educador deveria sempre levar a sério a opinião do educando, seu ponto de vista, porque não considerá-los oprimiria a personalidade da criança e seu amor próprio. De acordo com Korczak, em vez de mandar na criança, é preciso dar-lhe a oportunidade de se convencer, com base em suas próprias experiências, em uma atmosfera de confiança.
O trabalho de Korczak que se tornou parâmetro de educação nos meios internacionais e é ainda pouco conhecido no Brasil, mas pode ser reconhecido pelos educadores, pois constitui-se na base adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a formulação da Declaração dos Direitos da Criança, por seu legado ”O Direito da Criança ao Respeito”, um de seus 24 livros.
Ler essa obra prima de um escritor/educador que soube exprimir com sabedoria e maestria o que se sabe inconscientemente, mas não se manifesta, é talvez uma das experiências mais ricas que se pode acrescentar àqueles que lidam com a educação infantil, ou convivem com crianças. Não é um livro para ser lido simplesmente, mas para ser sentido e introjetado, como o próprio exercício do narrador/autor.
Publicado em:
RIBEIRO, O. M. . KORCZAK, J. Quando eu voltar a ser criança.. Revista Athos & Ethos, Patrocínio, v. 03, p. 203-204, 2003.
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