segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Carta ao Parlamento: ou Por Lamento!




O que faz o Congresso decidir por votar um aumento em benefício de seus parlamentares em um momento de anunciada crise pela qual pagarão todos os brasileiros que não terão o inflacionado aumento em seus salários?

O que faz os congressistas legislarem em causa própria antes de votarem causas muito mais importantes para TODOS os cidadãos?

O que faz os nossos representantes se julgarem como sendo mais importantes do que outras profissionais que não têm aumento sequer que recomponha a inflação e que, descontados os impostos, são obrigados a pagar pela educação, saúde e segurança privada porque o Estado não gerencia e nossos representantes não cumprem o seu papel de fiscalizar, tampouco o judiciário de punir como devia e dá brechas para a corrupção enquanto os nossos representantes defendem os interesses de governo e de partidos e não os de quem os colocou aí?

O que faz esse grupo usar de privilégios, quando a grande massa sequer pode gozar de direitos?

Professores, dentre outros profissionais, trabalham tanto quanto os Senhores, formam a sociedade, pagam impostos, contribuem cotidianamente para o crescimento do Brasil e recebem míseros adicionais, somente depois de comprovarem por relatórios de produtividade e muito tempo de estudo. Esses profissionais como outras categorias, que não podem escolher seus próprios salários, precisam pagar as contas e sobreviver com 60% do que lhes chega, pois não têm, como os Senhores, nenhuma ajuda de custo. É legal porque os Senhores fazem as leis, mas é imoral essa diferença e esse descaso com o povo que é obrigado a concordar com um grupo que vota de acordo com os interesses pessoais e partidários e que não representa o interesse da maioria. Um país justo é um país sem desigualdade, onde os legisladores dão exemplo de moralidade e de sensatez no uso do que é público, onde a justiça é para TODOS e não privilégio de quem já tem muito e se vê no "direito" de ter mais. Não é à toa que quanto mais rico é o legislativo, mais pobre é o povo. Quanto mais ricas são as famílias dos representantes do povo, mais pobre é o Estado da Federação. Eu faço a minha parte pagando meus impostos (sem sonegar, não porque sou obrigada, mas porque sei de minha responsabilidade) e desempenhando minha profissão com ética e compromisso, e sei que esse desabafo é tão inócuo quanto os discursos e pseudos defesas de pequenos grupos na CD ou no CN. 

Sim, eu acompanho diariamente as sessões pelo rádio! E torço por um destino diferente para o meu país, contudo, estou certa de que só se colhe o que se planta e tanto os filhos do povo, quanto os filhos dos privilegiados legisladores colhem a violência e os demais resultados dos desajustes sociais plantados pelos nossos representantes. 
Essa lei não precisa ser votada pelos Senhores, nem sancionada pela Presidenta, em um acordo de interesses partidários. 

Ela é inexorável! Portanto, Senhores, representantes de uma minoria, lembrem-se de que não estão livres da colheita, porque essa é uma lei da Humanidade, e para ela não há sequer a imunidade parlamentar que garanta o livramento das consequências das escolhas pelos privilégios de poucos em lugar dos direitos de todos. Lamentavelmente, os Senhores escolheram neste Natal se presentearem em vez de mostrar aos seus eleitores que eles mereciam como presente mais respeito e consideração! Se possível, em seus discursos, evitem falar em democracia, porque essa palavra já perdeu o sentido. Sugiro que a usem apenas quando se referirem a países onde merecem a mesma dignidade que os Senhores chamam a si!

Nomes de lugares que viraram coisas e outras coisas mais. (I)




Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp.
aya_ribeiro@yahoo.com.br



Sempre gostei de ler e de brincar com as palavras e confesso que não há nada que me encanta mais do que mergulhar nessa sopa de letras, nesse universo mágico de símbolos que se transformam em signos e vão mudando seus sentidos como já disse Nietzsche, num movimento de escavação ad infinitum. Isso mesmo, em itálico, esse realce foi feito originalmente em uma obra de do poeta Virgílio, por um italiano chamado Aldo Manutius em homenagem a sua pátria. Descobrir por que nomes de lugares viram coisas ou o que leva os nomes próprios a perderem sua identidade inicial para se tornarem comuns sempre me fascinou. Se prestarmos mais atenção às palavras que proferimos dia-a-dia, certamente faremos uma viagem diferente e conheceremos lugares inimagináveis. Já era balzaquiana quando descobri o quanto Honoré de Balzac, na França, fez um bem enorme às mulheres de 30, quando exaltou a feminilidade das mulheres maduras. Foi exatamente nesse momento de minha vida que percebi que a água-de-colônia era muito mais do que um perfume, feito por um monge na cidade de Colônia na Alemanha, mas uma água milagrosa que revigora qualquer alma feminina. Mesmo aquelas que levam uma vida espartana. Na Grécia, em Esparta, ou em qualquer outra cidade do mundo. Há coisas além do perfume, que mulheres, de todas as idades, de todos os lugares, não dispensam, biquíni e champagne, por exemplo. A criação ousada do estilista francês Louis Réard, tão explosiva quanto os testes nucleares nas ilhas de Bikini, hoje é tão comum quanto a bermuda, peça alternativa para as pobres mulheres proibidas de freqüentarem com as pernas expostas um balneário no Arquipélago de Bermudas, no Caribe, na década de 30. Claro que se desobedecessem estariam na berlinda por muito tempo, mesmo que nunca tivessem ido a Berlim, na Alemanha, lugar onde se usavam berlines para que os nobres circulassem e fossem vistos pelo povo, em carruagens com vidros nas laterais. Imaginem, então, o que seria dessas mulheres se ousassem tomar o borbulhante vinho feito pelo monge Don Perignon na região de Champagne no nordeste da França! Isso era coisa para Boêmios, outrora os ciganos da Boêmia, chegados a noitadas e bebedeiras. A Bíblia, coleção de livros sagrados escritos em papiros importados de Byblos, uma antiga cidade fenícia, hoje Gebal, na Síria, recomenda que mulheres não devem se embriagar com o produto da videira. Sendo assim, não devem tomar Xerez, vinho feito pelos espanhóis de Jerez, ou Sherry, para os ingleses que importam essa bebida desde o século XI, quando os árabes, depois de invadirem a península ibérica, mudaram o nome de Jerez para Sheriz. Mesmo não sendo fruto da vide, creio que também não é recomendável tomar a destilada Steinhager, bebida popular, fabricada com frutinhas de zimbro esmagadas com grãos de trigo, na aldeia de Steinhagen, na Alemanha. Mas às mulheres cristãs uma coisa não é proibida, é, ao contrário, estimulada: fazer romaria. Aquela excursão de fiéis, que inicialmente se dirigia a Roma, sede da Igreja Católica, e hoje são peregrinações a qualquer lugar que seja objeto de devoção. E olhe que essas viagens não precisam necessariamente ser feitas a pé, podem ser até de transatlântico. Mesmo que o destino esteja além de qualquer oceano que não seja o Atlântico, oceano cruzado pela primeira grande embarcação que saiu de Savannah, na Geórgia, EUA, com destino a Liverpool, na Inglaterra. Mas, acreditem, isso não foi nenhuma maratona. Maratona mesmo foi o que fez o valente soldado grego Fidípedes, ao percorrer os 42, 195 km que separavam Atenas da cidade de Maratona para anunciar a Nike dos gregos sobres os persas. Não entendeu patavina? Explico: não é nenhuma poderosa marca de tênis feita para os mais fenomenais atletas. É vitória em grego. E patavina fica mais próxima do mediterrâneo, na Itália, em Pádua, cujo nome em latim é Patavium. Como os portugueses dificilmente entendiam o latim falado pelos mercadores de Pádua, diziam que não entendiam nada, ou não entendiam patavina. Fico pensando que talvez seja por isso que os gregos, mais precisamente os espartanos, que ocupavam a Lacônia, ao sul da Grécia, preferissem falar pouco, ou laconicamente. Falar grego, para nós brasileiros, também é sinal de não ser entendido não é mesmo? Agora, peço licença, não vou sair à francesa, pois devo demorar alguns dias para voltar. Não vou à França como desejaria, para tomar um café com Chantilly, de preferência no castelo com esse nome. Creio que depois dessa viagem inusitada, no reino insólito dos sentidos das palavras, mereço relaxar em um SPA. Quem me dera fosse na Bélgica, nessa cidade cheia de fontes com águas medicinais, hoje até pode ser em qualquer lugar, antes que eu vá pra cucuia, o indesejado Cemitério da Cacuia, bem mais perto, logo aliiiiii, no Rio de Janeiro.


 rtigo publicado no Jornal de Uberaba, Coluna Opinião em 25-07-2007.

Nomes de lugares que viraram coisas e outras coisas mais (II)







Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Unesp.
aya_ribeiro@yahoo.com.br



Estou de volta, tive meu merecido descanso. Viajei bastante, não no sentido denotativo da palavra, mas viajei à minha moda: lendo muito e assistindo a vários filmes. Nem precisei de um sedã, um tipo de automóvel, criando na antiga vila francesa com esse nome. Para curtir a meca dos cinéfilos, não é necessário uma peregrinação à Meca, a cidade natal do profeta Maomé. O ponto de convergência de quem curte filmes ainda é Hollywood, a meca do cinema. Assim como Milão é a meca da moda. Mas posso assistir aos clássicos hoje sem sair de casa. É só ligar para a locadora e fazer a lista. Haverá sempre alguém de moto ou de lambreta para trazer em minha casa o passaporte para minha viagem favorita. Depois dos livros, é claro! Pode parecer jurássico aos mais jovens falar em lambreta, mas é que, ao falar em Milão, veio à minha mente Lambrate, um distrito dessa cidade, onde a família Innocenti fabricava as pequenas motocicletas que adotaram o nome da cidade com o diminutivo etta. E por falar em diminutivo, “As viagens de Gulliver” me levaram a Lilipute, a ilha imaginária criada pelo escritor inglês, Jonathan Swift, para ambientar seu livro. Ali, tudo era diminuto, os habitantes mediam apenas 15 centímetros. Quando essa malta que insiste em me diminuir atribuindo a mim e as coisas que faço o adjetivo liliputiano, ao contrário do que pensam, fico lisonjeada. Vou fundo na etimologia e me defendo: Lilipute é terra nobre, diferente de Malta, ilha do Mediterrâneo que depois de ser invadida por bárbaros, foi freqüentada durante muito tempo por piratas, passando a ser vista por outras nações como terra de grupos criminosos. Se liliputiano é adjetivo para gente pequena, certamente não tem nada a ver com malta, gente má, de baixa índole, que vive de usurpar bens e direitos alheios. Às vezes, armados de baioneta, arma criada por contrabandistas franceses, em luta contra os espanhóis, próximo à cidade de Baiona. E, muitas vezes, sem armas, como beócios. Usando a ignorância como arma letal, a exemplo dos agricultores de Beócia, lugar da Grécia onde ninguém sabia ler, apesar de estarem no berço da cultura e da filosofia. E isso, quero registrar, nada tem a ver com o mongolismo, como muita gente beócia ainda insiste em acreditar. Esses despreparados relacionam a Síndrome de Down devido à aparência semelhante aos dos habitantes da Mongólia, país asiático liderado pelo guerreiro Gengis Khan. Na verdade, quando pensam estar depreciando os portadores da síndrome, estão é fazendo um elogio: mongol significa, na língua de Gengis Khan, “valente, bravo, ou invencível”. O que de fato são essas pessoas, criadas em meio à discriminação e educadas em meio ao despreparo da sociedade e de muitas escolas. São exemplos de luta e de valentia para fugir do estigma e mostrar que é normal ser diferente e de que o slogan “educação para todos” não pode ser frase de efeito apenas para inglês ver.


A propósito, jurássico refere-se aos primeiros fósseis de dinossauros que habitaram a Terra na era mesozóica, descobertos pelos arqueólogos em 1829, na cadeia de montanhas Jura, que divide a Suíça e a França.

 Artigo publicado no Jornal de Uberaba, Coluna Opinião em 23-02-2007.



Confusão no Gramado!


Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp. aya_ribeiro@yahoo.com.br

Para quem pensa que pode ir a Portugal assistir ao esporte mais globalizado sem um tradutor disponível, um aviso: para não ficar gago na terra de nossos primeiros colonizadores, é melhor fazer um “intensivão” antes do embarque. Mas, se o tempo está curto e o passaporte já foi liberado, eis a tradução de Conflicto no Relvado:

O amistoso só não seria transmitido ao vivo para Lisboa e Porto. Arquibancadas cheias. Recorde de bilheteria. Estádio lotado, aguardando a chegada dos times do local de concentração. Os técnicos anunciam as convocações, enquanto os times saem do vestiário. Festa da torcida do Benfica. Delírio da torcida do Porto. Começa o amistoso. O volante da equipe rubra marca bobeira e não alcança o atacante. Na seqüência, o jogador fundamental do Benfica rola a bola. Passa a bola entre as pernas do adversário. Os torcedores enlouquecem e o estádio quase vem abaixo. Que bárbaro! Ah! Se fosse semifinal das eliminatórias! Ninguém seguraria esse time! Naquele instante, o volante do Porto está parado ajustando as meias. O zagueiro, na ânsia de evitar o ataque adversário, chuta a bola, vindo em correria em direção ao gol. Por pouco não faz gol contra. É escanteio. Os torcedores se levantam das arquibancadas. O ponta esquerda bate, mas não acerta nada. Resta ao goleiro cobrar o tiro de meta. Naquele instante, num chute de voleio, o camisa 10 dá um chapéu e acerta o adversário, um zagueiro nanico. Recebe um cartão. Imediatamente são ouvidas as vaias da torcida. Quem pensou que seria jogo fácil se equivocou. Não é nem um pouco. A arquibancada da torcida rubra grita em delírio. Novamente o atacante rouba a bola por entre as pernas do volante do time de azul, põe em desacordo os canhotinhas e, numa cabeçada espetacular, cruza o travessão. Sem chances para o goleiro do Porto. Das arquibancadas lotadas vinha o grito de gol. De repente, tristeza total: o bandeirinha não valida o gol. Marca o impedimento do camisa 7. Na súmula faz constar apenas tiro de meta. De imediato são ouvidas as vaias da torcida. Encrenca a vista. É o bastante para o camisa 10 do time vermelho se irritar, chamar o árbitro de covarde e cuspir de lado. Afronta registrada. Outro cartão e estava fora do gramado. Cumpriria, por isso, jogo de suspensão. Não poderia ser escalado para a partida de desempate. É o clímax. Começa a confusão nas arquibancadas. A desordem está armada. O riso alegre dos rapazes, das moças e dos garotos, que matavam aula para assistir ao jogo, rapidamente acaba. As beatas respeitáveis se aborrecem com a confusão, alegando falta de fé. Chamar aquilo de confusão era elogio! Muitos torcedores foram parar na delegacia. Principalmente a turma de vermelho. Não encontrando outra saída, apita o árbitro. Fim do amistoso. Que não foi lá tão amistoso assim! Quem perdeu essa partida ainda pode recorrer ao vídeo-tape. Depois disso, só nos resta assistir do sofá à transmissão da entrevista, pelo canal RTP, no intervalo da novela “A Escrava Izaura”, sucesso de audiência no Brasil e em Portugal da adaptação para a TV da obra do grande escritor mineiro, estudante em Uberaba, o célebre Bernardo Guimarães.


Conflicto no Relvado!






Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Unesp. aya_ribeiro@yahoo.com.br

O particular só não seria transmitido en directo para Lisboa e Porto. Bancadas compostas. Recorde de bilheteira. Sítio lotado, a aguardar a saída da equipa do local de reclusão. Os seleccionadores anunciam as convocatórias, enquanto as equipas saem do balneário. Festa encarnada. Delírio celeste. Começa o amigado. O distribuidor do seleccionado encarnado dá uma fífia e não alcança o avançado. Na seqüência, o elemento nuclear do Benfica rola o esférico. Que grande cueca! Os adeptos ensandecem. O sítio quase vem a baixo. Que bestial! Ah! Se fosse na meia final do puramento! Ninguém seguraria essa equipa! Entretanto, o distribuidor do Porto está inerte a ajustar as peúgas. O defesa, no afã de deslocar o ataque, chuta o esférico, vindo em ula, ula, em direção ao golo. Por pouco não atira contra. É pontapé de canto. A massa adepta se levanta das bancadas. O esquerdinha bate, mas não acerta nigues. Só resta ao guarda-redes cobrar o pontapé de baliza. Entretanto, num remate à meia volta, o camisola 10 do Benfica faz uma cabrita e acerta o adversário, um defesa cambuta. Recebe uma admoestação com a cartolina. Quem pensou que seria pêra doce cometeu uma equivocação. Não está nenhuma bojarda. A bancada da claque encarnada grita em delírio. Novamente o avançado rouba o esférico por entre as pernaças do distribuidor da equipa celeste, põe em dissensão os esquerdinhas e, num cabeceamento espetacular, cruza a barra de baliza. Sem chances para o guarda-redes do Porto. Das bancadas compostas vinha o grito de golo. De súbito, tristura absoluta. A claque da equipa encarnada emudece: o fiscal de linha interdita o golo. Marca o fora-de-jogo do camisola 7. Na súmula faz constar apenas pontapé de baliza. De pronto ouve-se a assobiadela da claque. Sarrilhos a vista. É o bastante para o camisola 10 da equipa encarnada se irritar, chamar o arbitrador de cagarola e expurtar de lado. Agravo registrado. Outra admoestação com cartolina e estava fora do relvado. Cumpriria, por isso, desafio de castigo. Não estaria mais habilitado a disputar uma negra. É a  zina. Começa o barulheiro nas bancadas. A zaragata estava armada. O riso gaio dos mancebos, das raparigas e dos putos, que gaseavam para assistir ao torneio, arrebatadamente se dissipa. As beguinas circunspectas arrenegam o combate a alegar fedifrago. Chamar aquilo de conflicto era gabo! Muitos adeptos vão parar na esquadra de polícia, especialmente a malta encarnada. Sem encontrar outra saída, apita o arbitrador. Fim do amigado. Que não foi lá tão amigado assim! Ora pois! Quem perdeu essa partida ainda pode recorrer ao en diferido. Depois disso, só nos resta assistir do maples à transmissão da conferência de impressa, na estação RTP, no intervalo do folhetim em antena:“A Escrava Izaura, sucesso de audiência no Brasil e em Portugal da adaptação para a TV da obra do grande escritor mineiro, estudante em Uberaba, o célebre Bernardo Guimarães.


Para quem pensa que pode ir a Portugal assistir ao esporte mais globalizado sem um traduzidor disponível, uma advertência: para não ficar tartamudo na terra de nossos primeiros colonizadores, é melhor fazer um “intensivão” antes do embarque. Mas se o tempo está curto e a licença por escrito já foi liberada, aguarde a tradução na próxima edição desta coluna.

Artigo publicado no Caderno "I", Coluna " Opinião" , Edição de n• 6065 do Jornal de Uberaba, p. 02, em 12-12-06.



Português de estrada


Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Unesp. aya_ribeiro@yahoo.com.br

Ele era Jacinto Leite Aquino Rego. Caminhoneiro. Vendedor ambulante. Solteiro. Vinha de Jurupita do Oeste, terra onde abunda a pita Estava de olho na rica viúva Maria Joaquina Rua dos Santos Gomes de Sá. Ela gostava de ser chamada pelos empregados por Sá Quinha. Pelos mais íntimos preferia ser tratada apenas por Quinha. Os desafetos criticavam, diziam que ela tinha um nome estranho. Ao que ela retrucava "Não penso nunca nisso". Já que tinha resolvido, seria essa sua alcunha. O falecido marido punha a culpa nela: “Você tinha que prestar mais atenção. Os filhos seriam criticados na escola. Ou se esqueceu que não é mais sozinha? Faz escolhas e os outros ficam como herdeiro". “Claro que não”, retrucava- “nunca minha mãe me disse isso”. O marido morreu pouco tempo depois. Há anos atrás. Sá Quinha ficou só. Os filhos, Cafu e Neneca, já estavam criados e não se importariam com esse apelido. Mas difícil mesmo era educar esses garotos. Era preciso ter fé demais! Era chegar em casa e ela tinha mil pias cheias de louças para lavar. Não ficava nem o aparelho de socar alho a salvo das mãos dessas crianças crescidas. E a coitada pouco tempo tinha. Dia desses, entrou em seu quarto e o que viu: uma caca enorme em cima da cama. “Oh! Não!” Exclamou! “Felizes deviam ser Eva e Adão quando não tinham filhos”. “E nem caminhão”, explodia Aquino Rego! “Eu amo ela” dizia a toda vizinhança, mas ela parecia não se importar. Sua vida não era fácil. Um dos filhos era míope, olho torto. Não conseguia ver direito o Bloco “H”, bem ali na sua frente. “‘Alma minha’, por que não comprei óculos fundo de garrafa para esse garoto?” Dizia consigo mesma: “ele iria parecer um sapo, tá certo, mas não faria tanta confusão”. Outro dia Sá Quinha me convidou a sua casa e me confidenciou suas dificuldades com as levadezas dos meninos. “Minha cara Elisa, na ótica minha, esses meninos estão carentes e precisam de atenção”, me dizia preocupada. Mas na prática dela, por razões que eu não compreendo, faltava a aceitação do que é ser criança.  Quando entrei na cozinha, topei dando, com a vara de tocar gado, o Cafu, no alto do armário, para alcançar uma bola. Neneca pediu a bola e Cafu deu. Essa doeu! Caiu em sua cabeça e rolou pela dama da noite. Chuta Neneca. Pediu Cafu. “Chuta Neneca, gol”. A bola cai na moita e por cada flor derriçada que no cume cheira, Neneca ia levar uma surra da Sá Quinha. Ele iria apanhar com a boneca dela, mas o “M.J. Gonzaga de Sá", primo de sua mãe, o salvou da bordoada. Rolando Caio da Rocha, dono da plantação, que nunca gostou desses pestinhas, muito aborrecido, ordenou a seu capanga Celso Pita que desse uma sova cada vez que visse o garoto rondando a casa dele: “Dê cá Pita. É agora ou nunca garoto levado!”. E isso via o paraninfo dela, Armando Nascimento de Jesus. “Só Pita pode conter essa molecada”- suspirava aliviada Sá Quinha”.  Estava armada a confusão: Um triângulo amoroso entre Celso Pita, Aquino Rego e Sá Quinha. “Cheguei há pouco de fora, mas vi ela primeiro e já peguei amá-la”. Por que não posso amar ela? Quero amá-la, dizia o caminhoneiro com seu português de estrada. “Não toca nela”. Gritava Pita, mostrando uma mão, num gesto brusco, que exaltava o físico dele. Tome já! Ele não se safa não! Venha cá, gatona! Vou-me já daqui contigo” “Ele está louco de ciúmes” esbravejava Jacinto Leite. Foi o bastante para Sá Quinha perder a paciência e despachar os dois. Sá Quinha não era mulher que se disputa. Isso não! Não uma mulher como ela!  A história com esses dois já havia dado o que falar na cidade. Naquele tempo tinha muita mulher fofoqueira. “Não volte nunca aqui”. Gritou. Triste, desiludido, sem outra opção, Jacinto Leite,  com a sensação de quem nunca ganha,  entra em seu caminhão e volta a dirigir pelas ruas da pequena cidade, bradando em seu alto falante: “Ovo e uva boa! Só caqui a preço de custo...O resto em promoção: Palha, aço... Aquino Rego a sua disposição... “Ovo e uva boa!”



O cacófato é um jogo criativo com a linguagem, pode parecer descontraído, quando aparece nas brincadeiras verbais do colégio e nas piadas sutis dos grandes humoristas. Com o propósito de provocar o humor, o que poderia ser um defeito converte-se em uma virtude, mas deve ser evitado em situações mais formais, principalmente em texto escrito.
A intenção desta colunista foi brincar com os nossos descuidos verbais. Esse texto não passa disso...



Publicado no Jornal de Uberaba em 13-01-2007.

Afinal, que língua falamos?

Ormezinda Maria Ribeiro-Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp.

À propósito da reflexão que pertinentemente trouxe à tona o jornalista César Vanucci, em 08 de setembro, sob o título “Tolices emergentes”, peço licença para continuar nesse tema, tomando emprestado ao genial poeta português, Fernando Pessoa, o título da série temática que pretendo desenvolver nesta coluna, apresentando curiosidades linguísticas.

A língua é fator de unidade nacional. Por que utilizar termos de outras línguas, que nem sequer dominamos, em vez da nossa?
A cada dia nos deparamos com expressões que não são próprias de nossa língua materna e as reproduzimos tão naturalmente que inconscientemente pensamos “estar falando” Português.

A língua é um patrimônio cultural e como tal devemos preservá-la. Sem exageros puristas, precisamos cuidar dela, cultivá-la, admirá-la.
“Nosso léxico” contém um número infindável de palavras e expressões em outros idiomas que propagamos em casa, no trabalho, no clube, enfim, em qualquer situação de interação comunicativa.

Falamos ou repetimos expressões cujos significados originais desconhecemos e não nos preocupamos em observar se há na língua vernácula um vocábulo equivalente e com isso cooperamos para a americanização dos termos.
Sem autocrítica, curvamo-nos diante dos E.U.A, falamos, ou melhor repetimos a convenção deles. Transformamo-nos, assim, em reprodutores de um idioma artificial, que não é Inglês, nem tampouco Português.

Na moda, na culinária, na economia, na publicidade, no esporte, como na música, ocorre o mesmo. Não empregamos os nossos próprios vocábulos, contentamo-nos em adotar, assimilar e repetir os deles.

Será que os usuários de uma língua tão rica como a nossa, não encontram condições semânticas para substituírem um termo estrangeiro por um nacional, sem crise de xenofobia ou exarcebação de ufanismo nacionalista, mas numa reverência à língua materna?

Falta-nos senso crítico suficiente para sabermos até onde vai a impossibilidade de tradução e onde começa a aceitação passiva da cultura estrangeira.
Um leitor crítico, observa, analisa e interpreta sem aceitar passivamente os termos e, consequentemente, as idéias que lhes são impostas por meio deles.
O assenhoramento da estrutura de uma língua associado à capacidade de discernir, discriminar e estabelecer relações lógicas no comando da língua falada, ou escrita, assegura que as palavras não veiculem apenas idéias ou sentimentos, mas reflitam também a própria atitude mental.

Muitas vezes, o uso exagerado e deliberado de termos em outros idiomas serve apenas ao propósito de confundir, de não explicar, sob a falsa impressão de estar se expressando de uma forma culta. Vemos isso constantemente em economia. Soa como uma falsa erudição, entre pretensos intelectuais, ou com uma pseudo aparência chique, nas colunas sociais, quando na verdade beira ao mau gosto travestido de elegante.
A consciência do uso da língua é a consciência da cidadania. Quanto mais idiomas conhecermos, melhor será o nosso desempenho, o nosso alcance cultural. Podemos ser poliglotas sim, mas não em nossa própria língua.

O conhecimento não é beneficiado de forma alguma por essa mesclagem duvidosa. Constatamos que alguns usuários da língua não sabem fundamentalmente o que dizem: só fazem repetir sem reflexão, sem questionamento, simplesmente aceitam passivamente o que repetem.

A língua é um campo potencialmente infinito de descobertas de generalizações gramaticais, de criações semânticas, de possibilidades de renovação e ampliação do léxico, que se constrói a cada instante, uma vez que é um fato social. Em razão disso, proporciona uma probabilidade indefinida de construções frasais, portanto, não necessitamos simplesmente importar e adotar os termos de outros.
Já dizia Maurizzio Gnerre, “uma língua vale o que valem seus falantes”. Pensemos nisso.

Publicado originalmente em: RIBEIRO, Ormezinda Maria. Minha Pátria é minha língua I: Afinal, que língua falamos? In: Jornal Cidade Livre. Uberaba. Ano III, nº 1160, 14-09-2006, p. 02.

Babel é aqui: todas as línguas do português

"Torre de Babel"
(Bruegel)

Ormezinda Maria Ribeiro-Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp.
aya_ribeiro@yahoo.com.br

Para quem pensa que nhen-nhen-nhen é vocabulário da república tucana, uma informação: é expressão de uma das mais de 1000 línguas indígenas que havia no território brasileiro em 1500. Hoje restam apenas cerca de 180. Vem do verbo nhe´enga que significa “falar”. “Falar sem parar”. Essa e outras palavras já incorporadas ao nosso idioma somam-se a um sem número de vocábulos que repetimos no cotidiano sem nos dar conta de sua origem. Caipira vem do tupi kópira, o que carpe; minga´u, também do tupi, significa “papa” e já se referia ao alimento que hoje chamamos de mingau; Peteca vem do verbo petek, que nessa língua significa “bater com as mãos espalmadas”. Da língua indígena temos também Cumbuca, muamba, tapioca, e outras tantas.

Mas o nosso português de cada dia convive bem com palavras adotadas de línguas de vários países. Uma verdadeira Babel. Metrópole, baile, cemitério e outras que lembram a cidade, bíblia, apóstolo, batismo coisas da religião; democracia e metáfora, também herança dos gregos, caberiam na lista da educação.

Se um cavalheiro, comportado ou rebelde, posta-se a sua frente e a convida para dançar, cantarolando um trecho de um bolero, não se furte a essa façanha: ele deve ser um gentil filho de espanhóis.

Mas se o jovem, após um banquete, servido no camarim, com um cenário decorado com aquarelas ao som de um piano, surpreende-la com uma serenata, cantada por um dueto, ou um soprano, acompanhado por um violoncelo ou bandolin, certamente é um rapaz italiano.

Seu ancestral deve ser francês, se logo no primeiro encontro, depois de apreciarem o menu, chamar o chofer e levá-la do restaurante ao seu apartamento para namorarem à luz velada de um abajur. Se for um artista romântico pode querer leva-la ao seu ateliê. Nesse caso, a melhor pedida é irem de bicicleta, curtindo a brisa. Mas não se esqueça de levar um agasalho de tricô.

Se fosse alemão, provavelmente a convidaria para uma valsa. Se inglês ou americano, com certeza a levaria a um bar no shopping center, para comerem um sanduíche, um bife, ou então ao clube, para jogarem basquete ou futebol.

Nesse país de extensão continental, que tem como idioma oficial o português, originado do latim, a influência de outras línguas não é facilmente constatada: dos bascos temos esquerdo, gorro, bacalhau... Dos celtas, légua, caminho, brio, carpinteiro... Dos germânicos: faísca, bando, espeto, rico, bandeira, norte, guerra...
Dos árabes: azeite, açúcar, algodão, algema, arroz, almofada, café, zero, açougue, alfinete... Dos chineses: leque, chá... Dos africanos: samba, moleque, marimbondo, bagunça, quilombo, minhoca, camundongo, cafuné, jiló, macumba, acarajé, batuque, dentre outras tantas.

O paraíso vem da Pérsia e com ele o divã, a jangada e o bule vêm da Malásia, o sábado e a aleluia chegaram a nós pelos hebreus, o pagode e o jambo do sânscrito, o biombo e o quimono são heranças do Japão e a vodka vem da Rússia. 
Muitas outras palavras se juntam nessa torre, entre tantas outras que se criam e se transformam diariamente, porque afinal a língua é um organismo vivo e como outros seres todos os dias se altera.


RIBEIRO, Ormezinda Maria. Minha Pátria é minha língua II: Babel é aqui: todas as línguas do português. In: Jornal Cidade Livre. Uberaba. Ano III, nº 1164, 19-09-2006, p. 02.

Língua Moribunda: o latim ainda falado no Brasil!


Ormezinda Maria Ribeiro-Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp.
aya_ribeiro@yahoo.com.br

"Dai-lhes o repouso eterno" é, IPSIS LITTERIS, a tradução da obra inacabada de Mozart, REQUIEM AETERNAM DONA EIS. DATA VÊNIA, redundantemente, peço licença para iniciar este texto com essa expressão e adiar mais um pouco o justo repouso eterno que há tempos vem sendo negado à mãe de nossa língua materna.

EX OFFICIO, reivindico essa autorização AD HOC, pois apesar de ter estudado um pouco dessa língua, nos tempos da faculdade de Letras, lá em Patrocínio, com o saudoso Professor e ex-padre José André Coimbra, SUPRA SUMMUN em latim e em literatura latina, não tenho em meu CURRICULUM VITAE a formação específica para esse fim.

Na verdade sou um TABULA RASA nesse assunto. Passei, é certo, por vários exames em minha vida acadêmica, tanto nos cursos LATO SENSU, quanto nos cursos STRICTO SENSU, tendo meus títulos reconhecidos DE JURE e nem sempre DE FACTO. O que às vezes me leva a recorrer a um DEFENSOR EX OFFICIO, para, EXTRA MURUS universitário, fazer a ERRATA dos equívocos da academia.

Mas, nesse caso específico, sei que não posso ostentar o título de doutor HONORIS CAUSA, como o DE CUJUS, meu estimado professor, filósofo, e um profundo conhecedor das letras e da literatura latina, que me ensinou as declinações e o prazer de ler Eneida. A PRIORI, estou convicta de que minha preocupação em não me atribuir um título, que não tenho, é correta, pois, apesar de dar STATUS, estou segura de que essa atitude não é legal. E DURA LEX, SED LEX. Mas, PERMISSA VÊNIA, insisto em que o MENS LEGIS deve ser ERGA OMMES, GRATIS e não apenas PRO FORMA, contudo, PER SI, IURIS TANTUM. Sei também que usar títulos indevidos ou maquiar o CURRICULUM para impressionar não dá cadeia no Brasil, e mesmo aceitando que, IN DÚBIO PRO REU, não quero fazer parte dessa turma maria-vai-com-as-outras: NON DUCOR, DUCO. Isso mesmo: não sou conduzida, conduzo, (SIC) já disse por mim o poeta Guilherme de Almeida, no brasão da bandeira da capital paulista.

Se não tenho procuração AD IUDICIA, e não posso exigir que as pessoas façam sempre o correto, pelo menos conduzo minhas ações para o que acredito ser certo. Mesmo que precise de alguém para o AD REFERENDUM, e que passe a ser PERSONA NOM GRATA, para aqueles que, num CONTINUUM, acreditam que tudo é válido para manter o STATUS QUO. Prefiro não compactuar com a eutanásia iminente que muitos ditos “doutores” ou “educadores” fazem com sua própria consciência. Creio que essa situação é SUI GENERIS, para os que crêem no AGNUS DEI e no CORPUS CHISTI, e, para mim, FODICARE LATUS com a consciência limpa é condição SINE QUA NON para exercer o ofício de professor. VADE RETRO eu diria e digo a todos aqueles que entregam sua consciência.

EX POSITIS, devo dizer que LIBERTAS QUAE SERÁ TAMEN não deve ser apenas uma frase de efeito gravada na bandeira de Minas, em ANIMUS do heróico Tiradentes, assim como a frase SUPRA, que tomei emprestada de Guilherme de Almeida. (VIDE brasão da Cidade de São Paulo, de preferência IN LOCO). E, das muitas expressões latinas, quase moribundas, espero que também não tenha repouso eterno o MENS SANA IN CORPORE SANO. PRIMA FACIE, percebe-se que o poeta latino, Juvenal, já sabia no século II que muitas vezes aqueles a quem tomamos por bom é, não raro, mau. Uma lição que não pode morrer jamais. Digo IDEM para IN HOC SIGNO VINCES. Assim como o Imperador Constantino e uma multidão de cristãos, sei que pela VIA CRUCIS vencerei.

E, se VOX POPULI, VOX DEI, é imperativo confiar. ALEA JACTEA EST e eu vou seguir em frente para afirmar com fé: VENI, VIDI, VICE. Se pela palavra o mundo foi criado e pelo poder da palavra o inimaginável é possível, desde que Deus, AB INITIO, em Gênesis anunciou: FIAT LUX e houve luz, posso também crer que essa luz se perpetua pela VOX daqueles que acreditam na educação como instância EXCELSIOR, como elevação da consciência humana e não como alta fonte de renda PER CAPITA, de onde muitos tiram seu rico PRO LABORE. E em ALTISONUS quero repetir, com o BENEPLACITO de sua família, o que aprendi com um grande educador em Uberaba, o professor Murilo Pacheco de Menezes (IN MEMORIAM): acreditemos na luz da verdadeira educação e sonhemos alto porque AD ALTIORA NAT SUMUS.


POST SCRIPTUM: eis a tradução da expressão FODICARE LATUS para que não fique IN DÚBIO: ato de puxar alguém com a intenção de adverti-lo. E de: “MENS LEGIS deve ser PER SI ERGA OMMES, GRATIS e não apenas PRO FORMA, contudo IURIS TANTUM”: o espírito da lei deve ser, para todos, de graça e não por mera formalidade, mas por si, decorrente do próprio direito. E da expressão que também pode ser simbolizada pela águia nos céus AD ALTIORA NAT SUMUS: nascemos para as alturas.

Artigo publicado originalmente na Coluna "Opinião" do Jornal Cidade Livre, p. 02, no dia 07/02/2007.

Tradução de Português de Trás-os-Montes



Dia difícil aquele! Já no café da manhã espatifei a xícara como bola de gude em mão esperta. Não pude tomar o apreciado café. Sem encontrar os fósforos para preparar outra bebida quente, procurei o abridor de latas na esperança de apreciar ainda em casa uma água gelada, ou uma água sem gás.

Qual nada! Nem mesmo cola eu tinha em casa para consertar a peça. Deixa estar, arrazoei, tão logo chegue a faxineira, ela me fará um sanduíche e providenciará a emenda, ainda que seja com seu esmalte de unhas.

Esperei em vão! Deve ter perdido o ônibus. Fiquei de olho no ponto de ônibus. Seria o caso de discutir, mas, ajuizei. Deixe estar que em outro momento tocarei no assunto. Chamei um menino, dei-lhe umas moedas e mandei que fosse de trem para que se apressasse à chácara mais próxima para que me trouxesse ao menos um caqui.

E o menino que não retornava à casa! O remédio era compor-me com o terno, ou talvez uma calça jeans com camiseta, armar-me com um guarda-chuva, que comprei em uma liquidação e rumar a um restaurante popular, ou a um restaurante barato e pedir ao garçom o cardápio, antes de rumar ao trabalho, pois não tenho grana pra bancar uma mercearia fina.

Mais problema: ao sair tropecei na pá e me esparramei no tapete, caiu longe minha peruca. Apareceu meu cabelo ruim. Tive que engatinhar. Puxa! Doeu! Fiquei maluco. Antes tivesse usado um maiô. Até minha cueca ficou aos molhos. Nem meu celular estava em funcionamento.

Oh dia! Na despensa tão somente encontrei pimenta. No bolso apenas um chiclete e um pirulito que levaria ao filho da aeromoça, minha elegante vizinha. Aquele garoto que jogou meu xampu no vaso sanitário!

Fiquei sem ação. Zonzo, vislumbrei na lagartixa um ameaçador jacaré. Oh céus! A essa altura até os pernilongos pareciam por demais ameaçadores. Não tive escolha: abri a geladeira e tomei um sorvete de frutas e devorei o resto de leite que estava na mamadeira do filho caçula. Fraco, todo molhado, pedi ao gari que varria a calçada que me ajudasse a alcançar o fone do orelhão para que pudesse falar grátis. Deixaria recado na secretária eletrônica de meu patrão.

Não foi possível! A fila do posto de gasolina estava grande e eu não me lembrava do prefixo telefônico. Não quis ficar no seu final. Retornei a casa com a ajuda de um frentista que vestia um uniforme de meu time, pois a faixa de pedestres da estrada asfaltada estava interditada. O guincho levou meu carro porque não paguei o pedágio e ainda levei uma multa. Mas isso não tem importância. Não fiz conta: afinal, era um jipe muito rodado, sem placas. Perdi minha habilitação e não adiantava chorar.

Voltaria a andar nos vagões de trem. Quem mandou ser teimoso! Burro! Estúpido! Naquele dia resolvi me aposentar, ficar em casa me distraindo com histórias em quadrinhos, ou jogo-da-velha. Até assistir o horário político seria meu salva-vidas, antes que eu parasse no necrotério.

Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp. aya_ribeiro@yahoo.com.br

Publicado originalmente em: RIBEIRO, Ormezinda Maria. Minha Pátria é minha língua IV: Tradução de Português de Trás-os- Montes. In: Jornal Cidade Livre. Uberaba. Ano III, nº 1172, 28-09-2006, p. 02.

Português de Trás-os-Montes

Dia difícil aquele! Já no pequeno almoço espatifei a xávena como berlinde em mão esperta. Não pude tomar a apreciada bica. Sem encontrar os chamiços para arranjar outra bebida quente, procurei os tira-cápsulas na esperança de apreciar ainda em casa uma água fresca, ou uma água lisa.

Qual nada! Nem mesmo pegamasso eu tinha em casa para arremendar a peça. Deixa estar, arrazoei, tão logo chegue a mulher-a-dias, ela me fará um sandes e providenciará a retocagem, ainda que seja com seu verniz para unhas. Esperei em vão! Deve ter perdido o auto-carro. Fiquei de olho nas paragens. Seria o caso de altercar, mas, ajuizei. Deixe estar que em outra estação farei o caso.

Chamei um puto, dei-lhe uns escudos e mandei que fosse de comboio para despachar-se a um casal mais próximo para que me trouxesse ao menos um dióspiro. E o miúdo que não retornava à botoeira! O remédio era compor-me com o fato, ou calhar com uma calça ganga e uma camisola interior, armar-me com um chapéu-de-chuva, um chuço que comprei em uma rebaixa e rumar a uma casa de pasto, ou a um chafarica, pedir ao empregado de mesa a ementa, antes de rumar ao trabalho, pois não tenho cheta pra uma charcutaria.

Mais problema: ao sair tropecei na sapa e me esparramei na alcatifa, caiu longe meu capachinho. Apareceu minha gadelha. Tive que andar de gatas. Chiça! Fiquei taralhoco. Antes tivesse usado um fato de banho. Até meu boxer ficou aos molhos. Nem meu telemóvel estava em funcionamento. Oh dia! Na despensa tão somente encontrei piri-piri. Na algibeira apenas uma pastilha elástica e um rebuçado que levaria ao catraio da hospedeira, minha catita vizinha. Aquele chavalo que arremeçou meu champô na sanita!

Fiquei sem ação. Zonzo, vislumbrei na osga um ameaçador jacaré. Oh céus! A essa altura até os melgas pareciam por demais ameaçadores. Não tive escolha: abri o frigorífico, tomei um gelado de frutas e devorei o resto de leite que estava no biberão do miúdo caçula. Fraco, todo molhado, pedi ao almeida que organizava a calçada que me ajudasse a alcançar um auscultador de uma cabine telefónica com o qual pudesse falar à borla. Deixaria recado no atendedor automático de meu empregador.

Não foi possível! A bicha da estação de serviço estava grande e eu não me lembrava do indicativo. Não quis ficar no seu rabo. Retornei à botoeira com a ajuda de um gasolineiro que vestia uma camisola de equipa encarnada (da minha claque), pois a passadeira de peões da estrada alcatroada estava interditada.

A grua levou meu veículo, porque não paguei a portagem e ainda levei uma coima. Mas isso é cagativo. Não fiz conta: afinal era um todo-o-terreno com imenso conta-quilómetros, sem matrícula. Perdi minha carta de condução e não adiantava carpir. Voltaria a andar de carruagem. Quem mandou ser casmurro! Tulho! Calhau! Naquele dia resolvi me reformar, ficar em casa me distraindo com banda desenhada, ou jogo-do-galo. Até assistir o direito de antena seria meu banheiro, antes que eu viesse a parar no morgue.

Compreenderam? Pois as palavras em itálico pertencem ao português. De Portugal, claro! A “tradução” será apresentada na próxima edição.


RIBEIRO, Ormezinda Maria. Minha Pátria é minha língua III: Português de Trás-os- Montes. In: Jornal Cidade Livre. Uberaba. Ano III, nº 1167, 22-09-2006, p. 02.

Português nosso de todo dia!

Como toda teem fashion, adoro jeans e body com design US Top. Pra mim griffe em lay-out clean é um show. Na high society, é o look the best. Uso no Shopping Center ou no meu flat, na cobertura. Só tiro mesmo para o meu sagrado fitness.

Aí, sim, visto meu jogging predileto. Ou então quando vou à praia fazer topless e praticar Windsurf. Mas não o dispenso na hora do rush, pois me dá segurança, quando estou meu down. Só ele e meu walkman, que uso para ouvir as the best dos meus experts em music, meus disk-jóqueis, que têm o maior background.

Meu CD player de high-fidelity é o must. Posso agitar curtindo os big signs, os sampler do tecnopop e high-tech, as big starts, os doubles album e os venerados cults in, sem me esquecer do rap, funk, reggae, hardcore, cover, dancefloor, acid, hip hop dowtown. É mesmo wonderful. Meu day-by-day é sempre assim: waffles no breakfast e close-up em seguida. Passeio com o mouse nos links do meu site hospedado no Google, e faço o meu login no Hotmail, a fim de conferir meus e-mails, ansiosa pra ver os recados dos meus brothers. Faço dowload nos fotologs das superstars e visito alguns blogs interessantes.

Não deixo, é claro, de ver no Orkut os scraps que meus friends deixaram no meu scrapbook e de fazer meus contatos no messenger. Afinal, darling, uma girl para ser in deve estar sempre on-line. Para dar um up, visto minha baby look e meu jeans predileto que comprei na Red and Blue e vou ao Shopping Park Way Bussines Center fazer meu cabelo no Luca´s hair. Aproveito para deixar meu yorkshire no Pet shop “Dogs and Cats”, enquanto faço meu brushing. Algo soft, depois de um shampoo. Prefiro um penteado sem spray. Isso combina mais com o estilo vintage e com black-tie, coisas pra quem gosta de flashs. Ofuscam qualquer black out. Pode até dar status, mas acho meio trash.

Mais tarde, of course, eu vou curtir a nigth no Régine’s, no Sheraton, ou na Hippopotamus, porque ninguém é de ferro. Mas antes não dispenso o cheese burg e um ice-cream do Bob’s. Não quero fazer merchandising, mas os steaks de lá só empatam mesmo com o hot dog do Miro´s Bar, onde agita a galera out hippies, os já não mais inpunks, os stars yuppies. Quando não posso, peço ao office boy da Cyber Vision International, onde meu pai é CEO, para buscar. É tranqüilo. Nem é preciso cash. Posso pagar sem sair de casa, usando o auto-service no Bankfone, ou pela Internet com meu Bluecard Gold, feito exlusivamente para clientes VIPs como eu.

Mas, no happy hour eu curto mesmo é tomar um drink: um hi-fi, ou um Blended Scotch Whisky on the rocks. Agora, para curtir um weekend, prefiro ir a um drive-in, e antes passar no Drive thru do Mc Donald`s para devorar um Milk shake, ou mesmo um Sunday com marshmallow. Outra pedida é ir ao clube jogar tênis: games, set, mach point. Tudo de bom!

Só não curto muito é quando chove. Que alternativa: ficar em casa assistindo a TV. Relax total no puff do home-theater para conferir a pole position, o gride de largada da “Fórmula Um”, os melhores no ranking e ainda quem são as tops models do momento, com seus big books. Comer em self-services! Nem pensar! Isso é coisa para os mais out. Ainda bem que inventaram os Disk tudo. O Delivery do Fast food tem sido o boom do momento. Não perco a oportunidade de pedir um Cheese bacon, ou um Cheese egg. Pode ser também um China-in-Box. Nessa hora não penso em nada ligth, ou diet.

Deixo para queimar as calorias pedalando minha Mountain bike, ou andando de skate. Difícil mesmo é encarar a segunda-feira. Oh! Dia cruel! Já no hall do colégio encontro a teacher de Inglês, com seu note book black, sacolejando na sua superbag trash. Aquela insuportável: parece uma Drag queen, com um imenso air bag, ensaiando uma performance pra deixar qualquer aluno dow. Detesto essa matéria. Ainda bem que nasci no Brasil e aqui posso falar português!

Esta colunista acredita que, diferentemente do texto “Português de Trás-os-Montes, não será necessário usar o espaço da próxima edição para traduzir as palavras e expressões em itálico. Caso o leitor queira, pode solicitar a tradução por e-mail no yahoo.com.br. Mas não se esqueça de digitar underline entre aya e ribeiro. Caso contrário, encontrará em seu mail box o incômodo aviso: delivery error.

Bye, bye...

Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp.aya_ribeiro@yahoo.com.br



Publicado originalmente em: RIBEIRO, Ormezinda Maria. Minha Pátria é minha língua V: Português Nosso de Todo Dia. In: Jornal Cidade Livre. Uberaba. Ano III, nº 1184, 13-10-2006, p. 02.

Palavras demodês: a língua da saudade

Não há plástica que evite os efeitos do verbo “Envelhecer”, quando muito é possível apenas maquiar ou aplicar um “Botox” na língua. Não no músculo, bem entendido. O sentido aqui é figurado, senão o efeito colateral é justamente o que não se quer. Ao contrário do esperado na dermatologia, paralisar o músculo, nesse caso, não ajudará na linguagem. Esse efeito só seria bem vindo no caso de se evitar as mentiras e as promessas vãs que são proferidas por tantos cidadãos levianos. “Botox” neles!

A língua é um organismo vivo e como tal também se modifica. Como seus usuários, envelhece, e, apesar de ter uma vida mais longa, também morre. Algumas palavras ficam, outras se modificam e outras desaparecem, permanecendo apenas na memória de quem as proferiu ou as ouviu em algum lugar do passado. Era adolescente, recém saída do primário, quis fazer admissão para cursar o ginásio no “Dom Lustosa”, só para ficar de olho nos rapazes prafrentex do científico, porque minha vontade mesmo era ser normalista, na “Escola Normal”, para usar o uniforme de gala, com gola marinheiro, meia 3/4 e saia plissada, dois dedos abaixo do joelho, e fazer curso de datilografia, na escola do Benedito, para, um dia, ser escritora.

Paramentada com meu trancilim de ouro, calça cocota e colant rosa choque, ou mesmo com um slack ou boca de sino, e calçando uma melissinha transparente, não perdia as sessões de quarta feira no Cine Patrocínio. Naquela época não havia linha de ônibus do bairro à praça. Alguns rapazes possuíam Lambreta, e as meninas de família mais abastada tinham Gareli, ou Monareta. Alguns boyzinhos tinham um Maverick, equipado com toca-fitas TKR cara preta, tala-larga e rodas de magnésio, ou pegavam dos pais um Kharman-Guia, ou um possante Aero Willis preto, ou mesmo uma Variant azul calcinha.

Muitos deles iam às brincadeiras dançantes de Rural ou de Veraneio laranja. As mais dondocas, para impressionar, usavam um Carro de Praça, geralmente um Simca Chambord verde limão, cujo câmbio tinha bolinha de plástico com siri dentro, ou um Vemaguete cor de hepatite, ou mesmo um Gordini amarelo gema, com taxímetro Capelinha. Às mais pobres não restava alternativa a não ser pegar carona na jardineira que fazia as linhas das roças, ou enfrentar o caminho a pé. Isso não era nenhum problema, porque sempre íamos com uma turma animada.

As meninas, depois de fazerem seus Mis-an-plies com bobs presos com ramonas e passarem o dia todo com uma touca feita de meia-calça, aquelas usadas com cinta-liga, tomavam banho com sabão de cheiro Eucalol ou Lifeboy, escovavam os dentes com dentifrício, passavam diadermina nas mãos, vestiam sua cacharrel, que era o último grito da moda, junto com o corte pigmaleão, penduravam sua tiracolo de couro e se enfeitavam com pó de arroz Cashemere Bouquet, rouge e carmim. Se usassem vestido, a combinação era obrigatória, mas a recomendação era de que não poderia aparecer por debaixo da saia. “Vender farinha” era a maior mancada. Indigna de uma moça de família.

Ainda bem que nessa época o espartilho já havia sido abolido. Os rapazes, como ainda hoje, tinham sua vida facilitada. Usavam apenas Creme Rinse para lavar a cabeleira e aplicavam Brilhantina para segurar seus topetes. Alguns preferiam Gumex. Cortavam as unhas com Trim e vestiam camiseta branca Hang-Ten, quarada no quintal, e calça “Lee” ou “Uestop”, presa no currião. No ombro, japona de napa preta. Limpavam o ki-chute com um pedaço de fazenda de javanesa, aplicavam graxa Nugett ou alvaiade na conga. Depois do cinema sempre rolava uma passadinha na casa de alguém da turma para ouvir o último disco do Yahoo, Metrô e RádioTáxi. O LP com a música Voyage, Voyage quase furava na radiola Sonata, no quarto da irmã mais velha, ou na vitrola da mãe, sobre o tager da sala de jantar.

Em geral, os pais não se importavam de receber os colegas, em suas casas, com o piso espelhado encerado com Parquetina, ou Colmeína. Às vezes, serviam um moscatel aos rapazes, e, para agradar às meninas, as mães se ofereciam para ir à fornalha coar, no coador de pano, um café fresquinho feito com água da talha, fervida na rabinha de ágata, e servido na chávena de porcelana, ou na tigela esmaltada. Aos domingos o Grapett, Kresto, Tubaína, Guaraná Caçulinha e Crush eram servidos nos coloridos “cristais cica”, acompanhando o bolo Marta Rocha. O que não aceitavam, de jeito nenhum, é que a “cambada” se sentasse no catre. Isso era desrespeitoso por demais. Não era só porque amarrotava o virol, mas, segundo eles, não era aconselhável colocar o traseiro sujo de micróbios no lugar onde se dorme.

As mães, geralmente, abriam as portas com seus robes de tergal, usando peruca ou turbante, calçando suas confortáveis precatas, ou Alpargatas e quase sempre já sem o seu roth, que ficava na cabeceira da cama, dentro de um copo com água. Debaixo, jazia um urionol, ou penico já que nem todas as residências eram projetadas com mictório, ou latrina com bidê, dentro de casa. Os pais, quando não estavam com suas ceroulas que iam até as canelas, quase sempre usavam Camisas Volta ao Mundo, muito brancas, lavadas com sabão em pó Rinso. O que a turma gostava mesmo, além de assistir os filmes do Jeca Tatu, era de fazer serenata ao som do violão.

Como havia artistas e poetas no meio dessa moçada! Eu ficava só no coro. Depois de virar a noite, o dia seguinte exigia Simbasol ou Cibalena, principalmente se um mais espertinho se atrevia a ingerir Cuba Libre feita com Ron Merino. Biotômico Fontoura e Emulsão de Scott, com certeza, eram os anabolizantes da época, tanto para os meninos, como para as meninas, e o Elixir Paregórico e de Camomila Granjo, Pílulas Ross, Rhum Creosotado, Pronto Alívio Radway, Nenê-Dent, Oleo Glostora e Regulador Xavier nunca faltavam na caixinha do bifê da copa das casas que freqüentávamos. Além da pomada Minâncora, muito usada para tratar as indesejáveis espinhas adolescentes.

Merendar antes do recreio não era ingerir o conteúdo da merendeira, antes do intervalo no Grupo Escolar, era avançar o sinal antes do casamento e aí não havia muita escolha: era rezar um rosário, pois um terço não adiantaria. Se não funcionasse, se a regra faltasse, e o Modess perdesse a utilidade, o jeito era encomendar o enxoval, com direito à colcha de chenile e uma boneca dorminhoca para guardar a camisola do dia e chamar o meirinho pra fazer o casório antes da noiva adoecer ou do pai chegar o rei no infeliz do boyzinho que, depois de tirar a moça, ainda se atrevia a não reparar a sua honra.

As chapas batidas pelo Augustinho retratista, pai de um de nossos companheiros de serestas, nas visitas da turma ao campo de aviação da nossa cidade da juventude, hoje, certamente são retratos, fotografias postadas, em algum fotolog de um jornalista curioso, para alimentar o saudosismo dos conterrâneos distantes.

Publicado no Jornal Mais Um, em 28/11/2006.


Ormezinda Maria Ribeiro-Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp.
aya_ribeiro@yahoo.com.br

Heróis da Resistência

Zeca Pagodinho que me desculpe, mas, em nossa Nação Pagodeira, ele não é exceção, Zeca e outros Independentes do Ritmo costumam mudar de idéia antes mesmo do Fim de Tarde como se fossem um Gabriel Pensador Ksamba, ou como um Bicho da Seda, devorando um Biquíni Cavadão, em uma praia deserta em Angra. Não é bom passar a idéia de que não temos palavra, de que tudo aqui acaba na Magia do Samba.

É preciso mostrar ao mundo, com muito Karisma, que os Meninos do Samba são Replicantes. E se Jheremmias Não Bate Córner, é bom que se diga que o Brasil deve ser conhecido, internacionalmente, não só pelo seu Magnífico futebol, mas também pela sua Mistura de Raça, Mistura Fina, que gera Arte Popular, com Jeito Moleque. Um Kaso Raro que coloca o rock dos Titãs da música Juntocomsamba do Idioma popular dos Nativos da Ilha, Made in Brasil. Koisa de Samba, que Nenhum de Nós explica, assim como Batom na Cueca.

Não somos Inimigos do Ritmo, isso é certo. Mas o Nosso Jeito: Jeito Louco, Jeito Manhoso, Nada Por Acaso de fazer música e de encarar a vida nessa Legião Urbana, Kiloucura, nasce no Fundo de Quintal e Viramundo. Quem Kurtisamba sabe que é Karta Markada: Kemsambafica. É o Mistério do Samba.

É preciso ter Konvicção e Molejo. K Entre Nós, os Manos do Samba, os que formam a Tribbo do Pagode, Só Pra Contrariar, juntam com a Tribo do Gueto, os Engenheiros do Havaí, que na verdade são os maiores Inimigos da HP, pois abandonaram a prancheta e ficam Só No Sapatinho. Essa Revelação apenas mostra que Misturart é um dos Desejos dOs Incríveis Maníacos do Samba.

Os Marotos, Os Travessos, aqueles Ratos do porão, ou de Terreno Baldio que fazem a Harmonia do Samba, nessa terra de mistura Tutti Frutti infinita. Eles são Os Maurícios, de Roupa Nova, sobem com Asa de Águia, como 14 bis, são a Sensação da Terra Samba. E diferentemente de muito Barão Vermelho da política, os Novatos do Samba, esses meninos, da Negritude Júnior, de Sorriso Maroto, merecem uma Nova Chance, antes que venham parar em uma Sepultura, como Pixote. Em vez de provocarem a Ira da sociedade, Os Moleques Malcriados do morro deveriam receber apoio da Companhia do Pagode, de Charlie Brown Jr, de Os Tribalistas, ou de Jorge Aragão, dessa turma que Incendeia Samba, para formarem a Gangue do Samba, uma espécie de Juventude SA.

Dudu Nobre sabe e pode testemunhar que Educasamba é uma grande alternativa para Os Morenos, filhos da negligência e da Kobiça de governantes, que, prometem mudar o destino desses Falcões, antes que a RPM, depois de uma Blitz, levem-nos na Rappa. Mas esses nossos representantes, quando vão para a Nova Morada, em Brasília, esquecem Os Humildes e passam a viver Os Dourados sonhos de poder e de fortuna. São os genuínos Os Mutantes, e as mudanças prometidas não passam de Mágicas Enfaixadas. O samba muda de cenário: os Salões Verde e Azul passam a ser o FDQ desse grupo de Ordinários do Samba, que mancham a cara do Brasil e impregnam a mídia com tristes histórias dessa Loucademia de Pagode, que tem se tornado a casa do povo nos últimos tempos. Parece história de Jammil e Uma Noites.

É impressionante com Ki Prazer Os Cafajestes do Pagode dançam no plenário, comemorando o Pagode Contravenção, em vez de fazerem leis para melhorar a imagem do Brasil e a vida do brasileiro. É lamentável que as leis que eles criam só sirvam para proteger esses Intocáveis do Pagode, que seguem como Detonautas aumentando a desigualdade social neste país e ainda declaram na maior Boca Loka que a culpa é dos pobres que não usam Camisa de Vênus, quando encontram sua Karametade e sentem o Cheiro de Amor.

Como podem atribuir a eles a opção, se muitas vezes não têm dinheiro nem para os Secos e Molhados necessários à sobrevivência? Se eles passam o dia enganando o estômago, comendo Chiclete com Banana, enquanto Os Mimosos e outro Moleque e Cia, (filhos e Netinho de deputados e senadores da República) comem pizza e adoçam suas vidas no Mel com Samba e, No Swing, chegam ao Nirvana, ignorando o Molho Pardo brasileiro?

Chega de CPI, e desse Catinguelê todo. É preciso urgentemente que alguém dê aos Lírios do Samba um Capital Inicial, (PagoArt) para que eles mostrem a sua Raça, e atinjam os Paralamas do Sucesso. E, assim, quem sabe, esses Heróis da Resistência possam deixar de viver nessa Cidade Negra.

Artigo publicado na coluna “Opinião” Jornal de Uberaba, em 01-06-2007. In: www.jornaldeuberaba.com.br

Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp. aya_ribeiro@yahoo.com.br

Escravo ou senhor da palavra?


Somos criatura, criadores e escravos da palavra. Criamos e nos cercamos dos espaços que se organizam pela palavra. E não devemos nos esquecer de que só existimos porque existe a palavra. Assim como há mundo, porque há linguagem. Ora, a palavra é um símbolo e como símbolo representa. É porque existe a palavra, é porque existe a linguagem e é porque sempre pode existir um arranjo de símbolos que se entrelaçam até se fazerem textos, material simbólico, do qual somos filhos e servos é que nós, metáforas de nós mesmos, existimos. A capacidade de representar as coisas por meio das palavras distingue radicalmente o homem do animal, pois dá ao homem o controle do mundo. Aprender a falar é, pois, aprender a pensar.

O domínio da língua é instrumento de controle. A história nos mostra isto: dominantes e dominados se distinguem pela língua que prevalece. Imersos nesse universo que se move pelos símbolos estamos todos e, mais ainda, quando cremos na força da própria palavra persuasiva da qual se apropriam os seus grandes buriladores, os publicitários, jornalistas, vendedores de idéias e ampliadores do mundo, vivemos o século da comunicação. Os grandes mercadores de palavras são hoje os profissionais mais bem remunerados, mais requisitados no mercado, no mundo comercial e político. Ganham-se eleições e vende-se o insólito.

Criam-se heróis, geram-se imperadores e salvadores da pátria, defensores do universo... Pela urdidura da palavra. Se pela manipulação da palavra tecida e entretecida nos envolvemos num movimento de teia que nos enreda em seu centro, e se somos o que diz Foucault, o resultado dos discursos que nos constroem, é também pela desconstrução da armadilha da palavra que podemos alcançar a liberdade. Tudo aquilo que pensamos e fazemos é fruto dos discursos que nos constroem, como seres psicossociais. Somos moldados por uma série de discursos: científico, jurídico, político, religioso, do senso comum, etc. Desses, o mais significativo é o discurso de senso comum, pois se trata de um discurso que permeia todas as classes sociais, formando a chamada opinião pública. Saber argumentar, portanto, não é luxo, é necessidade.

André Breton questiona se não seria o fato de não saber argumentar uma das grandes causas recorrentes da desigualdade cultural, que se sobrepõe às tradicionais desigualdades sociais e econômicas reforçando-as. Nesse sentido cabe uma pergunta, mais constatativa do que interrogativa: não saber tomar a palavra para convencer não seria, no final das contas, uma das grandes causas da exclusão? Assim, argumentar apresenta-se como um verbo essencial numa sociedade que se pretende democrática. E isso não é novidade. Os antigos romanos, inventores da república, buscaram dos gregos antigos a concepção de cidadania e compreenderam bem o caráter capital da argumentação, pois fizeram dela o núcleo definitivo de todo ensino e o fundamento da democracia.

Mas, alerta-nos André Breton, o exercício de uma argumentação cidadã é, ao mesmo tempo, desviado pelas trágicas possibilidades de manipulação da palavra. Diante de tantos discursos, tendo como alvo uma população despreparada, resta-nos torcer para que o discurso do senso comum não tenha prevalecido e que nossos representantes eleitos dêem crédito a uma educação que retome o sentido da argumentação para o exercício da verdadeira democracia.

Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp. aya_ribeiro@yahoo.com.br


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Palíndromos: uma história para se espelhar


A professora de Anna e Natan ensinou na escola o que são palíndromos. O nome soou estranho, mas resultou em uma brincadeira. Vamos dizer que é uma divertida viagem de ida e volta na palavra ou na frase. Os alunos, curiosos matutam: como seria viajar nas palavras? Não vale rir. Erro comum ocorre: Iracema não é palíndromo. É anagrama de América. Assim como Célia é anagrama de Alice, Eliane de Elaine e Dariane de Ariadne. Aproveitam-se todas as letras, mas não se lê de trás para frente com o mesmo sentido.

Não é frase espelho, com perfeição na simetria, nem se parece com a “serpente que morde a própria cauda”, como o palíndromo. Até mesmo o sério lingüista Saussure embarcou nessa brincadeira. Para encantar mais a turma, a professora resolveu fazer um desafio: “ramo do temor prometo domar.

Chega de provas com pontos decorados. - A nota me vem à tona. Vamos explorar a criatividade, o ingresso no círculo mágico das palavras". “Como”- Perguntou um dos alunos: “Só sei que meu QI é SOS”. –“É só ir a vários lugares que nos dê sol e selos, Edson, e voltar pelo mesmo caminho das palavras e frases, percorrendo sua linearidade. E você eco vê nesse ir e vir com os olhos, passeando pelas letras que se juntam e se organizam como se quisessem, elas próprias, encontrar a sua cauda, como uma aliança que não tem início ou fim.

Escrever e ler por prazer, não por obrigação. - Só, nem menos, nem mais. Age, vá, navega! Como uma Alice curiosa, Mergulhe fundo no reino espelhado das palavras. Zarpar apraz. - Alie-se, sei lá. Atreve, reverta. Faça acontecer. Dê vida às palavras, dê forma à imaginação”. Os alunos, ansiosos, anotaram a data da maratona e cada um, com um radar, passou a embarcar nessa viagem, a rever cada palavra escrita, a reler, cada palavra lida, a fim de merecerem a vitória.

A ala mirim adorou a idéia. O treco certo! Aplaudiram Oto e Raul Luar. Nessa hora "Irene ri", e só nós sabemos porquê. Afinal, o revés é severo. A dica ácida dos que vêem a educação como mera reprodução de modelos é inevitável. Assim, professora e alunos descobriram nessa divertida viagem que palíndromo é um eco doce, que salta o Atlas, que orar é verbo breve, raro, e que Metáfora farofa tem. Nesse jogo não se avista a torre da derrota. Todos ganham. Que bom que a escola de hoje não mais ensina por cartilhas. Foi-se o tempo em que alunos tinham que repetir: a babá baba. Ato idiota. - E cito idiotice.

Enquanto em Brasília a mala nada na lama (É de Fred: "o poder fede"), os professores, esses artistas, ensinam a ralar a anilina para a ver cor e graça na educação. "Aí, Zé, opa!". Isso não é palíndromo, mas quase: é a poesia de brincar com as palavras, de dar vida às letras. Isso é mágica de Guimarães Rosa. Luz azul!

As palavras e expressões com destaques são palíndromos por isso podem ser lidas de trás para frente mantendo o mesmo sentido.

Artigo publicado no Caderno I Coluna "Opinião" . edição nº 6105 do Jornal de Uberaba, p. 02, no dia 30/01/2006. In: www.jornaldeuberaba.com.br

Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp. aya_ribeiro@yahoo.com.br

Os nomes que fazem o brasil, Brasil


Muitos sabem que nosso país se chamou Brasil pela coloração cor de brasa de uma madeira nobre, da qual os índios extraiam uma tinta vermelha para pintar o corpo, chamada em língua tupi Ibirapitanga. Hoje ameaçada de extinção, mas outrora tão comum nessa terra Brasillis. Brasil, terra de vegetal, de pedras preciosas e de muitas águas também. Terra Pappagalli, Terra dos Papagaios.

Esse foi o primeiro apelido que o Brasil recebeu, assim que o navio que levava a notícia do “descobrimento” retornou a Portugal, carregado dessa colorida e espalhafatosa ave, entre outras coisas exóticas para os lusíadas. Ave que vivia aos bandos em Roraima, o Rorô-yma, monte dos papagaios dos índios caribe.

Terra de Amapá, ou catauá. Árvore leitosa e medicinal usada pelos mesmos índios caribe, encontrada em nossas matas espessas, nesse Mato Grosso, do norte ao Sul, perto das desejadas Minas Gerais, abundante em ouro e outros metais. Tão perto dos guaiá, tribo que habitava a região que hoje chamamos Goiás. E tão distante de onde vem o Ciará “canto da ave jandaia”, Ceará, lugar de homens fortes e superiores, exaltados pela tribo cariri. Tão perto de Rondônia, do grande desbravador Marechal Candido Rondon, quanto das Amazonas, tribo de mulheres aguerridas.

Não menos guerreiras que as lendárias mulheres da Antigüidade, que amputavam o seio direito para melhor manejarem o arco. As “amazos” da terra Brasillis lembravam as mulheres sem seios, habitantes das margens do Mar Negro. Amazonas, nome dado às muitas águas, como também é Pará, rio caudaloso em tupi, que junta o Amazonas com o Tocantins, o “bico de tucano”.

Tucan-tin para os índios tupi, que viviam junto à foz desse rio. Brasil, terra de tantos rios, de um extremo ao outro, o Rio Grande do Norte, próximo ao Oiapoque, e o Rio Grande do Sul, canal que liga a lagoa dos Patos ao oceano, mais perto do Chuí. Rio, “parente do mar”, do tupi para´nã. Semelhante ao mar. Como Paraíba, rio pouco navegável, pa´ra aiba, ou mar ruim. De tão difícil acesso quanto o Maranhão, “corredeira” no dialeto nheengatu, mara-nhã, com origem no tupi mbarã-nhana. Certamente foram as corredeiras que, para a tribo tupi, fizeram o buraco nas pedras por onde passam as águas salgadas perto da Ilha de Tamaracá, em Pernambuco, o mar que arrebenta, para´nãpu´ka. “Na boca do rio Aquiri”, do qual deriva Acre, Uakiry, no dialeto ipurinã. Rio dos siris, no Sergipe, si´ri-´ y-pe, o rio das piabas, no Piauí: Piaba’y, entre tantas lagoas. Na terra de Alagoas.

Tanta água como uma Bahia, a Bahia da Guanabara, encontrada em primeiro de janeiro, e confundida com um imenso rio, um Rio de Janeiro. Assim como a Bahia de Todos os Santos, batizada com esse nome por ter sido vista em primeiro de novembro e comunicada ao rei de Portugal pelo italiano Américo Vespúcio.

Brasil de tanta devoção. Que, num domingo do Espírito Santo, criou a primeira vila, a Vila Velha, no estado que leva o nome de uma das pessoas da Santíssima Trindade. A mesma devoção que levou Francisco Dias Velho a erigir uma igreja em honra de Santa Catarina e graças a ela um estado que recebeu nossos irmãos açorianos.

Como também em honra a outro santo, o apóstolo São Paulo, foi fundada a primeira vila do planalto paulista, pelos lados de Piratininga. Tanta fé nesse Brasil, que o visionário Dom Bosco vislumbrou em seu árido e místico Planalto Central a nova capital. Brasil que gerou Brasília, construída pelos filhos desse Brasil de tantos nomes, de tantas águas, de tantas riquezas...

Brasil, nome de vegetal.

Artigo publicado no Caderno I Coluna "Opinião" do Jornal de Uberaba , p. 02, no dia 07/02/2007. www.jornaldeuberaba.com.br

Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp. aya_ribeiro@yahoo.com.br