Dia difícil aquele! Já no café da manhã espatifei a xícara como bola de gude em mão esperta. Não pude tomar o apreciado café. Sem encontrar os fósforos para preparar outra bebida quente, procurei o abridor de latas na esperança de apreciar ainda em casa uma água gelada, ou uma água sem gás.
Qual nada! Nem mesmo cola eu tinha em casa para consertar a peça. Deixa estar, arrazoei, tão logo chegue a faxineira, ela me fará um sanduíche e providenciará a emenda, ainda que seja com seu esmalte de unhas.
Esperei em vão! Deve ter perdido o ônibus. Fiquei de olho no ponto de ônibus. Seria o caso de discutir, mas, ajuizei. Deixe estar que em outro momento tocarei no assunto. Chamei um menino, dei-lhe umas moedas e mandei que fosse de trem para que se apressasse à chácara mais próxima para que me trouxesse ao menos um caqui.
E o menino que não retornava à casa! O remédio era compor-me com o terno, ou talvez uma calça jeans com camiseta, armar-me com um guarda-chuva, que comprei em uma liquidação e rumar a um restaurante popular, ou a um restaurante barato e pedir ao garçom o cardápio, antes de rumar ao trabalho, pois não tenho grana pra bancar uma mercearia fina.
Mais problema: ao sair tropecei na pá e me esparramei no tapete, caiu longe minha peruca. Apareceu meu cabelo ruim. Tive que engatinhar. Puxa! Doeu! Fiquei maluco. Antes tivesse usado um maiô. Até minha cueca ficou aos molhos. Nem meu celular estava em funcionamento.
Oh dia! Na despensa tão somente encontrei pimenta. No bolso apenas um chiclete e um pirulito que levaria ao filho da aeromoça, minha elegante vizinha. Aquele garoto que jogou meu xampu no vaso sanitário!
Fiquei sem ação. Zonzo, vislumbrei na lagartixa um ameaçador jacaré. Oh céus! A essa altura até os pernilongos pareciam por demais ameaçadores. Não tive escolha: abri a geladeira e tomei um sorvete de frutas e devorei o resto de leite que estava na mamadeira do filho caçula. Fraco, todo molhado, pedi ao gari que varria a calçada que me ajudasse a alcançar o fone do orelhão para que pudesse falar grátis. Deixaria recado na secretária eletrônica de meu patrão.
Não foi possível! A fila do posto de gasolina estava grande e eu não me lembrava do prefixo telefônico. Não quis ficar no seu final. Retornei a casa com a ajuda de um frentista que vestia um uniforme de meu time, pois a faixa de pedestres da estrada asfaltada estava interditada. O guincho levou meu carro porque não paguei o pedágio e ainda levei uma multa. Mas isso não tem importância. Não fiz conta: afinal, era um jipe muito rodado, sem placas. Perdi minha habilitação e não adiantava chorar.
Voltaria a andar nos vagões de trem. Quem mandou ser teimoso! Burro! Estúpido! Naquele dia resolvi me aposentar, ficar em casa me distraindo com histórias em quadrinhos, ou jogo-da-velha. Até assistir o horário político seria meu salva-vidas, antes que eu parasse no necrotério.
Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp. aya_ribeiro@yahoo.com.br
Publicado originalmente em: RIBEIRO, Ormezinda Maria. Minha Pátria é minha língua IV: Tradução de Português de Trás-os- Montes. In: Jornal Cidade Livre. Uberaba. Ano III, nº 1172, 28-09-2006, p. 02.
Nenhum comentário:
Postar um comentário