Ormezinda Maria
Ribeiro- Aya é Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Unesp.
aya_ribeiro@yahoo.com.br
Ele
era Jacinto Leite Aquino Rego. Caminhoneiro.
Vendedor ambulante. Solteiro. Vinha de Jurupita do Oeste, terra onde abunda a pita Estava de olho na rica viúva Maria Joaquina Rua
dos Santos Gomes de Sá. Ela gostava de ser chamada pelos empregados por Sá Quinha. Pelos mais íntimos preferia
ser tratada apenas por Quinha. Os
desafetos criticavam, diziam que ela tinha um nome estranho. Ao que ela
retrucava "Não penso nunca nisso".
Já que tinha resolvido, seria essa
sua alcunha. O falecido marido punha a culpa
nela: “Você tinha que prestar mais atenção. Os filhos seriam criticados na
escola. Ou se esqueceu que não é mais sozinha? Faz escolhas e os outros ficam como herdeiro". “Claro que não”, retrucava- “nunca minha mãe me disse isso”. O marido
morreu pouco tempo depois. Há anos atrás. Sá Quinha
ficou só. Os filhos, Cafu e Neneca, já estavam criados e não se importariam com
esse apelido. Mas difícil mesmo era educar esses garotos. Era preciso ter fé demais! Era chegar em casa e ela tinha mil pias cheias de louças
para lavar. Não ficava nem o aparelho de socar
alho a salvo das mãos dessas crianças crescidas. E a coitada pouco tempo tinha. Dia desses, entrou em seu quarto e o que viu: uma caca enorme em cima da cama. “Oh!
Não!” Exclamou! “Felizes deviam ser Eva
e Adão quando não tinham filhos”. “E nem caminhão”, explodia Aquino Rego! “Eu amo ela” dizia a toda vizinhança, mas ela parecia não se importar.
Sua vida não era fácil. Um dos filhos era míope, olho torto. Não conseguia ver direito o Bloco “H”, bem ali na sua frente. “‘Alma minha’, por que não comprei óculos fundo de garrafa para esse
garoto?” Dizia consigo mesma: “ele iria parecer um sapo, tá certo, mas não faria tanta confusão”. Outro dia Sá Quinha me convidou a sua casa e me
confidenciou suas dificuldades com as levadezas dos meninos. “Minha cara Elisa, na ótica minha, esses meninos estão carentes e
precisam de atenção”, me dizia preocupada. Mas na prática dela, por razões que eu não
compreendo, faltava a aceitação do que é ser criança. Quando entrei
na cozinha, topei dando, com a vara
de tocar gado, o Cafu, no alto do
armário, para alcançar uma bola. Neneca pediu a bola e Cafu deu. Essa doeu! Caiu em sua cabeça e rolou pela dama da noite. Chuta Neneca. Pediu
Cafu. “Chuta Neneca, gol”. A bola
cai na moita e por cada flor
derriçada que no cume cheira, Neneca
ia levar uma surra da Sá Quinha. Ele
iria apanhar com a boneca dela, mas
o “M.J. Gonzaga de Sá", primo
de sua mãe, o salvou da bordoada. Rolando
Caio da Rocha, dono da plantação, que nunca
gostou desses pestinhas, muito aborrecido, ordenou a seu capanga Celso Pita que desse uma sova cada vez que visse o garoto
rondando a casa dele: “Dê cá Pita. É agora ou nunca garoto levado!”. E isso via o paraninfo dela, Armando
Nascimento de Jesus. “Só Pita pode
conter essa molecada”- suspirava aliviada Sá
Quinha”. Estava armada a confusão:
Um triângulo amoroso entre Celso Pita,
Aquino Rego e Sá Quinha. “Cheguei há pouco de fora, mas vi ela
primeiro e já peguei amá-la”. Por que não posso amar ela? Quero amá-la, dizia o caminhoneiro com seu português de estrada.
“Não toca nela”. Gritava Pita, mostrando uma mão, num gesto brusco, que exaltava o físico dele. Tome já! Ele
não se safa não! Venha cá, gatona! Vou-me já daqui contigo” “Ele está louco de ciúmes” esbravejava
Jacinto Leite. Foi o bastante para Sá Quinha perder a paciência e despachar
os dois. Sá Quinha não era mulher que se disputa. Isso não! Não uma
mulher como ela! A história com
esses dois já havia dado o que falar na cidade. Naquele tempo tinha muita mulher fofoqueira. “Não volte nunca aqui”. Gritou. Triste, desiludido, sem outra opção, Jacinto Leite, com a sensação de quem nunca ganha, entra em seu
caminhão e volta a dirigir pelas ruas da pequena cidade, bradando em seu alto
falante: “Ovo e uva boa! Só caqui a
preço de custo...O resto em promoção: Palha,
aço... Aquino Rego a sua disposição...
“Ovo e uva boa!”
O
cacófato é um jogo criativo com a linguagem, pode parecer descontraído, quando
aparece nas brincadeiras verbais do colégio e nas piadas sutis dos grandes
humoristas. Com
o propósito de provocar o humor, o que poderia ser um defeito converte-se em
uma virtude, mas deve ser evitado em
situações mais formais, principalmente em texto escrito.
A intenção desta colunista foi brincar com os nossos
descuidos verbais. Esse texto não passa disso...
Publicado
no Jornal de Uberaba em 13-01-2007.
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