segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Uma história pra boi dormir



  1. Cansei de atirar pérolas aos porcos e dar com burros n’água. Foi-se o tempo de vacas gordas em que vivia cercado de amigo-da-onça. Depois que cai no ostracismo só recebi abraço de tamanduá. A vaca foi pro brejo. Somente uns gatos pingados ficaram ao meu lado para o canto do cisne. É triste admitir, mas falhei e estou pegando touro à unha, matando cachorro a grito. Sei que não devo pagar o pato sozinho, mas o que posso fazer? Deu zebra! Julguei que tivesse olhos de lince, no entanto, fiquei em papos-de-aranha depois que decidi construir aquele elefante branco. No início, fiquei como quem viu passarinho verde, paguei o maior mico. Com raciocínio de ameba não percebi que estava me envolvendo com cobra criada, aquela cascavel! Deveria ter picado a mula em tempo. Trabalhei como camelo, e na hora da onça beber água, saí que nem cachorro magro, feito pinto molhado. Quem mandou amarrar cachorro com lingüiça! Na verdade, comprei gato por lebre, quando pensava que iria lavar a égua. Qual nada! Servi de cobaia para um mão-de-vaca, um lobo em pele de cordeiro, que me fez de bode expiatório. O cabra da peste, filho de uma raposa velha, primeiro quis brincar de gato e rato, depois resolveu fazer boca de siri e chorar lágrimas de crocodilo, com cara de cachorro que caiu da mudança. Eu deveria saber: filho de peixe peixinho é! Em princípio fiquei feito barata tonta, depois amarrei o bode. Macacos me mordam! Tive vontade de soltar os cachorros, encarnar o grilo falante e dizer cobras e lagartos àquele verme e mandá-lo pentear macacos. De nada adiantaria ficar pensando na morte da bezerra. Mas na hora da porca torcer o rabo preferi tomar um rabo-de-galo, aquela água que passarinho não bebe, que me deixou com impressão de ter vários cavalos de potência. Ele gritou comigo feito uma gralha, e eu me calei, afinal, quando um burro fala, o outro abaixa a cabeça. Depois que vi que a cobra ia fumar me senti como um peixe fora d’água. Posso até ser burro, ou tonto como um asno, mas não sei fazer gato-sapato dos outros. Não tenho sangue de barata, mas não sou de matar a cobra e mostrar o pau para provar que sou forte como touro. Há um ditado popular do tempo do onça que diz que em boca fechada não entra mosca, então, pensei ser melhor não cutucar a onça com vara curta. Como sei que uma andorinha só não faz verão, não há proveito em procurar chifre em cabeça de cavalo. Infelizmente sou arraia miúda. Deste mato não sai coelho, pois certamente tem boi na linha e o mar não está para peixe. De nada adianta amolar o boi. Só vou cair do cavalo, se colocar a carroça na frente do boi. Não que eu não tenha nada a ver com o peixe, mas, mais vale um pássaro na mão do que dois voando. Penso que o melhor é esperar a hora certa para matar dois coelhos com uma cajadada só. Afinal, os cães ladram e a caravana passa. Assim, achei melhor deixar cada macaco no seu galho. Hoje sou uma galinha morta, uma marmota da cor de burro quando foge. Com memória de elefante, é certo. Só não tenho estômago de avestruz. Isso não! Tenho fome de leão, mas me alimento como passarinho. Não como cachorro quente, nem que a vaca tussa. Sou mesmo uma formiga doceira. Mas voltemos à vaca fria: não vou mais ser boi de piranha, nem ovelha negra. Aceitarei de bom grado qualquer vaquinha que me fizerem, pois a cavalo dado não se olha os dentes. Prometo a mim mesmo e aos amigos que restaram, e até ao meu cachorro, o melhor amigo do homem, que, a partir de hoje, vou dormir com as galinhas, ainda que tenha que contar carneirinhos. Vou matar um leão por dia, ainda que a passos de tartaruga, e juntar tudo que me espalharam, pois não dizem que é de grão em grão que a galinha enche o papo? Longe de mim agir como uma anta, ou consentir que sanguessugas, feito urubu na carniça, me façam de burro de carga. Gato escaldado tem medo de água fria e eu não vou permitir que nenhum cão danado venha cantar de galo no meu terreiro. Sapo de fora não chia e se a galinha que canta primeiro é dona dos ovos não vou ficar feito pingüim de geladeira ou bicho preguiça, vou fazer propaganda como uma mãe coruja em ninho de cambaxirra. Pode tirar o cavalinho da chuva quem pensa que estou derrotado, que sou uma mosca morta. Vou cozinhar o galo e dar o drible da vaca. Afinal, quem não tem cão caça como gato e macaco velho não põe a mão em cumbuca! E, olha o passarinho! Eu quero mesmo é fotografar a expressão do espírito de porco que pensa que essa história é só pra boi dormir.Artigo publicado no Jornal de Uberaba, Coluna Opinião em 12-06-2007.
  1. Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp. aya_ribeiro@yahoo.com.br

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