segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Seguindo os passos do coração





Sou Cecília, sou Maria, sou Violeta, sou Adélia ou Raquel. Sou todas elas.
Não sou nenhuma. Sou eu, sendo elas.
E assim vou tecendo essa trama de livros, poemas, palavras e vida...
Sou Cecília, sou sonhadora.
Sonho com o mar, com navios e noturnos vestidos azuis.

Tenho, também, fases como a lua.
Fases em que procuro canteiros para esconder minha tristeza, depois do crepúsculo.
Em que ando a procura de espaço para o desenho da vida.
Como Cecília, perco-me nos números, por isso gosto das letras.
Nelas encontro a medida.
Não do tempo ou das coisas, mas a exata medida de minha inquietação.
Se escrevo, fujo de mim e me encontro, comigo, com Violeta, com as muitas Marias que também sou eu.

Nas palavras enxergo a verdadeira dimensão do vazio que eu mesma crio e que só eu posso preencher.
Não sei vou ou se fico, se desmorono ou se edifico.
Queria ser poeta.
Então brinco com as palavras como se elas me respondessem.
E elas me respondem firmes, duras, que eu sou o que eu digo de mim.
E eu digo sempre que eu sou o avesso, o oposto, o que não querem que eu seja.
Não só para contrariar, mas para ser intensa, ainda que tensa e diferente, sendo igual.

Não quero ser. Quero estar sendo, sempre.
Quero dar graças à vida, como Violeta.
Mas não quero morrer de amor. Quero viver de amor.
Quero sentir a cada instante, a cada pulsação, assim calma,
assim pausadamente o fluir do amor que cerca e me possui. I
ntensamente.
Não concordo com Bandeira, as almas se comunicam sim, e não estragam o amor.
Minha alma sobrevive de amor. Não o meu corpo.
Meu corpo quer é paixão, arrepios, mas minha alma quer serenidade.
Quer companhia. Pra conversar. Falar de amenidades, de poesia, de nuvens.
Quer a primavera de Vivaldi e o por do sol de Ravel.
Ás vezes quer movimento, ritmo, o outro.

Meu coração está com Quintana: “se as coisas são inatingíveis... ora! não é motivo para não querê-las...Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas!”
E também concorda com Bilac, os riscos são necessários, têm que ser corridos.
O maior perigo na vida é mesmo o de não arriscar nada.
Ninguém pode viver por mim.
Essa dança é minha. Se não arrisco seus passos, posso evitar o sofrimento e o pesar, mas não posso aprender, sentir, mudar, crescer, viver ou amar.

Tem razão Bilac: só é livre quem arrisca.
Mas estou com Hilda “que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.”
Não quero ser o espelho daquele que me congela numa imagem de si mesmo.
Sou eu, numa mistura de tudo que vejo, que leio e que me apraz.
Que me atrai e até que me repele. Mas que sinto.
Eu sou as minhas escolhas.
Não o que querem que eu seja.

Não sou Cinderela. Prefiro ser borralheira.
Na voz de Hilst encontro eco e repito: “quero que olhe-me de novo.
Com menos altivez. E mais atento”.
Mas não me olhe como tu, ou ela, olhe-me como eu sou.
Também já olhei a mim como me olham e não gostei do que vi, pois não sou assim.
Sou muito mais bonita, porque não sou igual.
Não sou como.
Sou o que a outra não é.
Sou inteira, sendo fragmento de tudo que encontro e que me encanta.
Sou como a massa que escapa por entre os dedos: se quiserem me segurar não me apertem.
Sou firme, mas me derreto e, derretida, desvaneço.
Sendo firme não sou palatável, mas me concentro e me esforço.
Paradoxo dos paradoxos, sou tão mole, quanto dura.

Sigo os passos do coração e não me arrependo.
Esse é o meu nome, a minha sina.
Carrego desde antes de nascer e não creio que isso mude, mesmo mudando de nome, porque está no sangue.
É hereditário. Vem de minha avó, que seguia os passos do coração como eu.
E não foi esse órgão fragilizado e doente que a matou.
Depois de sete décadas e meia reclamando baixinho, parou por causa de um câncer.
Seu coração insistia ainda em ser seguido por ela.
Mas mesmo tendo seu nome eu sei que sou bem diferente.
Eu falo alto, grito e não deixo essas dores entrarem além de meu coração.
Ele é o único que me suporta, o resto do corpo não.
Prefiro não armazenar problemas fora dele.
“E eu ainda sou bem moça pra tanta tristeza”.
E eu ainda quero ver a vida. Como deve ser.
Como eu penso que é.
Não como querem que seja.

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