segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Afinal, que língua falamos?

Ormezinda Maria Ribeiro-Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp.

À propósito da reflexão que pertinentemente trouxe à tona o jornalista César Vanucci, em 08 de setembro, sob o título “Tolices emergentes”, peço licença para continuar nesse tema, tomando emprestado ao genial poeta português, Fernando Pessoa, o título da série temática que pretendo desenvolver nesta coluna, apresentando curiosidades linguísticas.

A língua é fator de unidade nacional. Por que utilizar termos de outras línguas, que nem sequer dominamos, em vez da nossa?
A cada dia nos deparamos com expressões que não são próprias de nossa língua materna e as reproduzimos tão naturalmente que inconscientemente pensamos “estar falando” Português.

A língua é um patrimônio cultural e como tal devemos preservá-la. Sem exageros puristas, precisamos cuidar dela, cultivá-la, admirá-la.
“Nosso léxico” contém um número infindável de palavras e expressões em outros idiomas que propagamos em casa, no trabalho, no clube, enfim, em qualquer situação de interação comunicativa.

Falamos ou repetimos expressões cujos significados originais desconhecemos e não nos preocupamos em observar se há na língua vernácula um vocábulo equivalente e com isso cooperamos para a americanização dos termos.
Sem autocrítica, curvamo-nos diante dos E.U.A, falamos, ou melhor repetimos a convenção deles. Transformamo-nos, assim, em reprodutores de um idioma artificial, que não é Inglês, nem tampouco Português.

Na moda, na culinária, na economia, na publicidade, no esporte, como na música, ocorre o mesmo. Não empregamos os nossos próprios vocábulos, contentamo-nos em adotar, assimilar e repetir os deles.

Será que os usuários de uma língua tão rica como a nossa, não encontram condições semânticas para substituírem um termo estrangeiro por um nacional, sem crise de xenofobia ou exarcebação de ufanismo nacionalista, mas numa reverência à língua materna?

Falta-nos senso crítico suficiente para sabermos até onde vai a impossibilidade de tradução e onde começa a aceitação passiva da cultura estrangeira.
Um leitor crítico, observa, analisa e interpreta sem aceitar passivamente os termos e, consequentemente, as idéias que lhes são impostas por meio deles.
O assenhoramento da estrutura de uma língua associado à capacidade de discernir, discriminar e estabelecer relações lógicas no comando da língua falada, ou escrita, assegura que as palavras não veiculem apenas idéias ou sentimentos, mas reflitam também a própria atitude mental.

Muitas vezes, o uso exagerado e deliberado de termos em outros idiomas serve apenas ao propósito de confundir, de não explicar, sob a falsa impressão de estar se expressando de uma forma culta. Vemos isso constantemente em economia. Soa como uma falsa erudição, entre pretensos intelectuais, ou com uma pseudo aparência chique, nas colunas sociais, quando na verdade beira ao mau gosto travestido de elegante.
A consciência do uso da língua é a consciência da cidadania. Quanto mais idiomas conhecermos, melhor será o nosso desempenho, o nosso alcance cultural. Podemos ser poliglotas sim, mas não em nossa própria língua.

O conhecimento não é beneficiado de forma alguma por essa mesclagem duvidosa. Constatamos que alguns usuários da língua não sabem fundamentalmente o que dizem: só fazem repetir sem reflexão, sem questionamento, simplesmente aceitam passivamente o que repetem.

A língua é um campo potencialmente infinito de descobertas de generalizações gramaticais, de criações semânticas, de possibilidades de renovação e ampliação do léxico, que se constrói a cada instante, uma vez que é um fato social. Em razão disso, proporciona uma probabilidade indefinida de construções frasais, portanto, não necessitamos simplesmente importar e adotar os termos de outros.
Já dizia Maurizzio Gnerre, “uma língua vale o que valem seus falantes”. Pensemos nisso.

Publicado originalmente em: RIBEIRO, Ormezinda Maria. Minha Pátria é minha língua I: Afinal, que língua falamos? In: Jornal Cidade Livre. Uberaba. Ano III, nº 1160, 14-09-2006, p. 02.

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