"Torre de Babel"
(Bruegel)
Ormezinda Maria Ribeiro-Aya é Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela Unesp.
aya_ribeiro@yahoo.com.br
Para quem pensa que nhen-nhen-nhen é vocabulário da república tucana, uma informação: é expressão de uma das mais de 1000 línguas indígenas que havia no território brasileiro em 1500. Hoje restam apenas cerca de 180. Vem do verbo nhe´enga que significa “falar”. “Falar sem parar”. Essa e outras palavras já incorporadas ao nosso idioma somam-se a um sem número de vocábulos que repetimos no cotidiano sem nos dar conta de sua origem. Caipira vem do tupi kópira, o que carpe; minga´u, também do tupi, significa “papa” e já se referia ao alimento que hoje chamamos de mingau; Peteca vem do verbo petek, que nessa língua significa “bater com as mãos espalmadas”. Da língua indígena temos também Cumbuca, muamba, tapioca, e outras tantas.
Mas o nosso português de cada dia convive bem com palavras adotadas de línguas de vários países. Uma verdadeira Babel. Metrópole, baile, cemitério e outras que lembram a cidade, bíblia, apóstolo, batismo coisas da religião; democracia e metáfora, também herança dos gregos, caberiam na lista da educação.
Se um cavalheiro, comportado ou rebelde, posta-se a sua frente e a convida para dançar, cantarolando um trecho de um bolero, não se furte a essa façanha: ele deve ser um gentil filho de espanhóis.
Mas se o jovem, após um banquete, servido no camarim, com um cenário decorado com aquarelas ao som de um piano, surpreende-la com uma serenata, cantada por um dueto, ou um soprano, acompanhado por um violoncelo ou bandolin, certamente é um rapaz italiano.
Seu ancestral deve ser francês, se logo no primeiro encontro, depois de apreciarem o menu, chamar o chofer e levá-la do restaurante ao seu apartamento para namorarem à luz velada de um abajur. Se for um artista romântico pode querer leva-la ao seu ateliê. Nesse caso, a melhor pedida é irem de bicicleta, curtindo a brisa. Mas não se esqueça de levar um agasalho de tricô.
Se fosse alemão, provavelmente a convidaria para uma valsa. Se inglês ou americano, com certeza a levaria a um bar no shopping center, para comerem um sanduíche, um bife, ou então ao clube, para jogarem basquete ou futebol.
Nesse país de extensão continental, que tem como idioma oficial o português, originado do latim, a influência de outras línguas não é facilmente constatada: dos bascos temos esquerdo, gorro, bacalhau... Dos celtas, légua, caminho, brio, carpinteiro... Dos germânicos: faísca, bando, espeto, rico, bandeira, norte, guerra...
Dos árabes: azeite, açúcar, algodão, algema, arroz, almofada, café, zero, açougue, alfinete... Dos chineses: leque, chá... Dos africanos: samba, moleque, marimbondo, bagunça, quilombo, minhoca, camundongo, cafuné, jiló, macumba, acarajé, batuque, dentre outras tantas.
O paraíso vem da Pérsia e com ele o divã, a jangada e o bule vêm da Malásia, o sábado e a aleluia chegaram a nós pelos hebreus, o pagode e o jambo do sânscrito, o biombo e o quimono são heranças do Japão e a vodka vem da Rússia.
Muitas outras palavras se juntam nessa torre, entre tantas outras que se criam e se transformam diariamente, porque afinal a língua é um organismo vivo e como outros seres todos os dias se altera.
RIBEIRO, Ormezinda Maria. Minha Pátria é minha língua II: Babel é aqui: todas as línguas do português. In: Jornal Cidade Livre. Uberaba. Ano III, nº 1164, 19-09-2006, p. 02.
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