segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Nomes de lugares que viraram coisas e outras coisas mais (II)







Ormezinda Maria Ribeiro- Aya é Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Unesp.
aya_ribeiro@yahoo.com.br



Estou de volta, tive meu merecido descanso. Viajei bastante, não no sentido denotativo da palavra, mas viajei à minha moda: lendo muito e assistindo a vários filmes. Nem precisei de um sedã, um tipo de automóvel, criando na antiga vila francesa com esse nome. Para curtir a meca dos cinéfilos, não é necessário uma peregrinação à Meca, a cidade natal do profeta Maomé. O ponto de convergência de quem curte filmes ainda é Hollywood, a meca do cinema. Assim como Milão é a meca da moda. Mas posso assistir aos clássicos hoje sem sair de casa. É só ligar para a locadora e fazer a lista. Haverá sempre alguém de moto ou de lambreta para trazer em minha casa o passaporte para minha viagem favorita. Depois dos livros, é claro! Pode parecer jurássico aos mais jovens falar em lambreta, mas é que, ao falar em Milão, veio à minha mente Lambrate, um distrito dessa cidade, onde a família Innocenti fabricava as pequenas motocicletas que adotaram o nome da cidade com o diminutivo etta. E por falar em diminutivo, “As viagens de Gulliver” me levaram a Lilipute, a ilha imaginária criada pelo escritor inglês, Jonathan Swift, para ambientar seu livro. Ali, tudo era diminuto, os habitantes mediam apenas 15 centímetros. Quando essa malta que insiste em me diminuir atribuindo a mim e as coisas que faço o adjetivo liliputiano, ao contrário do que pensam, fico lisonjeada. Vou fundo na etimologia e me defendo: Lilipute é terra nobre, diferente de Malta, ilha do Mediterrâneo que depois de ser invadida por bárbaros, foi freqüentada durante muito tempo por piratas, passando a ser vista por outras nações como terra de grupos criminosos. Se liliputiano é adjetivo para gente pequena, certamente não tem nada a ver com malta, gente má, de baixa índole, que vive de usurpar bens e direitos alheios. Às vezes, armados de baioneta, arma criada por contrabandistas franceses, em luta contra os espanhóis, próximo à cidade de Baiona. E, muitas vezes, sem armas, como beócios. Usando a ignorância como arma letal, a exemplo dos agricultores de Beócia, lugar da Grécia onde ninguém sabia ler, apesar de estarem no berço da cultura e da filosofia. E isso, quero registrar, nada tem a ver com o mongolismo, como muita gente beócia ainda insiste em acreditar. Esses despreparados relacionam a Síndrome de Down devido à aparência semelhante aos dos habitantes da Mongólia, país asiático liderado pelo guerreiro Gengis Khan. Na verdade, quando pensam estar depreciando os portadores da síndrome, estão é fazendo um elogio: mongol significa, na língua de Gengis Khan, “valente, bravo, ou invencível”. O que de fato são essas pessoas, criadas em meio à discriminação e educadas em meio ao despreparo da sociedade e de muitas escolas. São exemplos de luta e de valentia para fugir do estigma e mostrar que é normal ser diferente e de que o slogan “educação para todos” não pode ser frase de efeito apenas para inglês ver.


A propósito, jurássico refere-se aos primeiros fósseis de dinossauros que habitaram a Terra na era mesozóica, descobertos pelos arqueólogos em 1829, na cadeia de montanhas Jura, que divide a Suíça e a França.

 Artigo publicado no Jornal de Uberaba, Coluna Opinião em 23-02-2007.



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