segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Ai que saudades da Amélia!

Ultimamente ando meio saudosista. E não é só com relação às coisas boas e marcantes. Tenho sentido até, quem diria! Saudades da Amélia. Aquela que era mulher de verdade. Que não tinha a menor vaidade. Que cuidava da casa e não reclamava. É meio paradoxal, mas próprio de uma mulher que se sente cansada de tanta luta. Não a minha luta solitária, mas a de todas as mulheres do mundo. Bem dizia Mário Lago à mulher que não reclamava. Reclamar do quê? Essas amélias tinham maridos provedores, amantes, que se eram infiéis de uma forma, de outra eram fidelíssimos. Conta no cabeleireiro, na boutique, na manicura: que mimos mais distantes de nossa realidade hoje.
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As mulheres que façam coro comigo. Hoje estamos mais às voltas com as panelas, que nos tempos da Amélia. Mas numa compensação às avessas temos que comprar as panelas, colocar a comida nas panelas, pagar a empregada que cuida das panelas, e ainda somos cobradas se o que está dentro das panelas não está a contento. De quem? Daquele que outrora enchia as panelas da casa. E ainda corremos o risco de ver nossos mantimentos ir parar nas panelas de outras.
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Ah! Mulheres! Tão espertas e tão tolinhas ao mesmo tempo! Ganhamos espaço fora de casa. Mas, vejam só: não perdemos dentro. E continuamos ruins de matemática que, nesse caso, é diferente para as mulheres: mais com mais dá mais é para homens. Para as mulheres é sempre menos. Quanto mais, menos. Não percebemos que ao ganhar, perdemos. Que, ao querer ser livres, ficamos presas. Que, ao somar forças e tempo para nossa emancipação, perdemos tempo para nossa satisfação. Temos hoje a mesma obrigação de ser bonita, mais ainda até do que antes, a mesma preocupação com a criação dos filhos, que, se vão mal na escola, a culpa, é claro, é das mães que não cuidam de seus filhos, que não têm tempo para olhar suas tarefas.
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Briga tola a nossa ao querer ser independente. Independente de quê? Somamos atividades às tantas que já nos eram atribuídas desde os tempos de nossas tataravós e ainda temos que prover a casa, os filhos e os companheiros. Esses sim é que ganharam. Ganharam na mega sena acumulada. Continuam a querer a mesma atenção, a mulher bem vestida (com o dinheiro dela) malhada e sarada, com o tempo que lhe sobra pra fazer academia depois da tripla jornada de trabalho.
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Qual a casa que não tem hoje um aparelho de ginástica, geralmente na área de serviço? Enquanto olha os filhos, a Amélia moderna pratica aquela necessária atividade para não ficar distante da concorrência.
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Veja a que ponto chegamos: com a obrigação de ser bonita, corpo de 20, com a cabeça de 40, cabelos, unhas e seios bem cuidados; mãetorista que não pode se atrasar, funcionária exemplar, que é para não perder o emprego. Afinal, as contas no fim do mês têm um destino dentro de casa: a caixa postal daquela que cansou de ser Amélia.
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Que saudades da Amélia! Sem vaidade. Mas nem precisava, era querida e adorada. Quem hoje compõe uma canção dessas para a mulher? Mulher hoje é cachorrona, poposuda e outros adjetivos similares...
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Mulher de verdade era mesmo a Amélia, nem fazia esforço pra ser notada. Sem academia, hora extra no escritório, ou intermináveis seções no cabeleireiro, na manicure, na pedicure, na esteticista, no cirurgião plástico...
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Minha avó paterna tinha Amélia, no segundo nome e primeiro na atitude. Eu, ao contrário herdei o seu primeiro nome, cujo significado é “seguindo os passos do coração”. É um nome forte, que não repete uma única letra. Gosto dele, apesar ser estar em desuso: nomes de nonas italianas não são comuns nas netas de hoje.
Em minha geração era uma justa homenagem. O segundo nome herdei de minha avó materna.
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Mas às vezes fico imaginando quão diferente seria se a composição de meu nome fosse outra: continuaria homenageando as duas avós, todavia, em vez do primeiro nome eu tivesse o segundo de minhas duas avós. Eu seria Amélia Augusta.
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A verdadeira e gloriosa Amélia, com todos os direitos e honras que uma amélia, sendo augusta, deveria merecer.

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